sexta-feira, 15 de julho de 2016

A PROSA DAS CAVEIRAS



A PROSA DAS CAVEIRAS

No velho condomínio São Bento
Meia noite e meia
Duas caveiras proseiam
Sobre assuntos banais, coisas passageiras

Menina, no velório tá uma choradeira
O presunto era bem famoso na gafieira
Vai deixar saudades na noite brejeira
E muita cama fria de viúva e solteira

Azar dos vivos, loteria dos mortos!
Cadáver vistoso, cheio de vermes viscosos
Agora é nosso! Nosso não! Eu vi primeiro!

Vermes não devoram sonhos
Vontades a morte não enclausura
Desejos não têm sepultura

CEMITÉRIOS



CEMITÉRIOS

Para muitos é mero repositório
de resíduos, saudades, lamentos e tormentos humanos
Para outros, memorial de tristeza profunda e insana
Mas para mim, tem função divina e profana

Jaz sobre os ossos fértil terra
Para sombria e reluzente imaginação
Para muitos o fim, pra mim, só o início
Do primeiro dia da criação

Como Shelley, ando pelas tumbas, profanando histórias
Coletando e costurando pedaços, misturando memórias
Como Quixote, vejo moinhos de vento virar gigantes

Com o sopro de minha tinta e a lira de minha voz
Tal qual Orfeu, recupero de Hades a vida subtraída
E desta vez será imortal, jamais restará corroída.

EFÊMERA EPIFANIA



EFÊMERA EPIFANIA

Quando as veias de minha fronte
engrossaram, estufaram, saltaram...
quando a última gota de vinho
chegou ao gargalo... pensei

Seria stress somente
ou seria a foice da morte
roçando minha mente
dizendo que nada é pra sempre?

A vida é curta demais pra soltar pião
Longa demais pra ganhar o pão
Insuficiente demais para a degustação

Que cada minuto não seja em vão
Se não for prazer, que seja lição
Há muito a viver, não há tempo pra lamentação

quarta-feira, 13 de julho de 2016

NEOFEUDALISMO


NEOFEUDALISMO

Com bela retórica e eloquentes discursos vazios
Eles acenam, dão sorrisos, beijam crianças e vão tecendo fios
Prometem ambrosia, néctar e, do Olimpo, a sagrada chama
Pedindo em troca apenas um voto de nossa confiança!

Porém, depois da eleição, parasitas corroem a nação!
Arrancam o nosso fígado, roubam a esperança, estrangulam crianças.
Nos dão as costas, só enxergam o próprio umbigo fedendo a bosta!
Prometeu se apagou, só sobraram Dorian Gray, Fausto e Narciso.

E agora Narciso se afoga de vez
em um mar de lama
e estupidez

Esta estirpe maldita
que o povo elegeu
reedita o sistema feudal outra vez.

AS GÓRGONAS DE POMPEIA


AS GÓRGONAS DE POMPEIA

É difícil respirar
em uma atmosfera
onde um bando de feras
vivem a conspirar

É difícil realizar
em um lago mergulhar
onde um bando de porcos
vivem a chafurdar

Górgonas petrificam egrégoras
Corações, intenções, instituições viram pedras
Tudo vira massa, número, título e moeda

Heróis míticos, inimigos reais
Onde estão Perseu, Hércules e Ulisses?
Nas sombras celulares cortejando o apocalipse


(* aos neossenhores feudais que o povo elegeu)

terça-feira, 12 de julho de 2016

RECEITA PARA CORTAR TRISTEZA


(foto: cemitério São Bento 2016 - acervo pessoal)



RECEITA PARA CORTAR TRISTEZA

Cortar o corpo para sarar a alma perdida
Nada adianta esta empreitada lida.
Engana-se quem se faz de velha parca desfiando tendões
Tentando, assim, com dores, aplacar abertas feridas

Decretar morte ao corpo, extinguindo a vida
Destruir o concreto para eliminar o abstrato
Matar o amigo para atingir o inimigo, ações vãs!
Sangrias não levam à Shangri-Lá! Nem a doces maçãs!

O único meio é alterar a vibração, a frequência
É transformar a dor em arte, mudar melodias, cadências
Inverter polaridades, preencher de amor as ausências

Pegue, então, tua tristeza, fúria ou rancor
Jogue-os no papel com as tintas do rio Lete
E tuas lágrimas transformar-se-ão no sorriso de Pigmalião.


*para meus shining students