O ENFERMEIRO
PARECE-LHE ENTÃO que o que se deu comigo em 1860, pode entrar numa página de livro? Vá que seja, com a condição única de que não há de divulgar nada antes da minha morte. Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos; estou desenganado.
Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida inteira, em que há outras cousas interessantes, mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel; o ânimo é frouxo, e o tempo assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o sol do outro dia, um sol dos diabos, impenetrável como a vida. Adeus, meu caro senhor, leia isto e queira-me bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento humano, ei-lo aqui. Não me peça também o império do Grão-Mogol, nem a fotografia dos Macabeus; peça, porém, os meus sapatos de defunto e não os dou a ninguém mais.
Já sabe que foi em 1860. No ano anterior, ali pelo mês de agosto, tendo eu quarenta e dois anos, fiz-me teólogo, — quero dizer, copiava os estudos de teologia de um padre de Niterói, antigo companheiro de colégio, que assim me dava, delicadamente, casa, cama e mesa. Naquele mês de agosto de 1859, recebeu ele uma carta de um vigário de certa vila do interior, perguntando se conhecia pessoa entendida, discreta e paciente, que quisesse ir servir de enfermeiro ao coronel
Felisberto, mediante um bom ordenado. O padre falou-me, aceitei com ambas as mãos, estava já enfarado de copiar citações latinas e fórmulas eclesiásticas. Vim à Corte despedir-me de um irmão, e segui para a vila.
Chegando à vila, tive más notícias do coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dous deles quebrou a cara. Respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois de entender-me com o vigário, que me confirmou as notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade, segui para a residência do coronel.
Achei-o na varanda da casa estirado numa cadeira, bufando muito. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim dous olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum dos enfermeiros que tivera, prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro das escravas; dous eram até gatunos!
— Você é gatuno?
— Não, senhor.
Em seguida, perguntou-me pelo nome: disse-lho e ele fez um gesto de espanto. Colombo? Não, senhor: Procópio José Gomes Valongo. Valongo? achou que não era nome de gente, e propôs chamar-me tão-somente Procópio, ao que respondi que estaria pelo que fosse de seu agrado. Conto-lhe esta particularidade, não só porque me parece pintá-lo bem, como porque a minha resposta deu de mim a melhor idéia ao coronel. Ele mesmo o declarou ao vigário, acrescentando que eu era o mais simpático dos enfermeiros que tivera. A verdade é que vivemos uma lua-de-mel de sete dias.
No oitavo dia, entrei na vida dos meus predecessores, uma vida de cão, não dormir, não pensar em mais nada, recolher injúrias, e, às vezes, rir delas, com um ar de resignação e conformidade; reparei que era um modo de lhe fazer corte. Tudo impertinências de moléstia e do temperamento. A moléstia era um rosário delas, padecia de aneurisma, de reumatismo e de três ou quatro afecções menores. Tinha perto de sessenta anos, e desde os cinco toda a gente lhe fazia a vontade. Se fosse só
rabugento, vá; mas ele era também mau, deleitava-se com a dor e a humilhação dos outros. No fim de três meses estava farto de o aturar; determinei vir embora; só esperei ocasião.
Não tardou a ocasião. Um dia, como lhe não desse a tempo uma fomentação, pegou da bengala e atirou-me dous ou três golpes. Não era preciso mais; despedi-me imediatamente, e fui aprontar a mala. Ele foi ter comigo, ao quarto, pediu-me que ficasse, que não valia a pena zangar por uma rabugice de velho. Instou tanto que fiquei.
— Estou na dependura, Procópio, dizia-me ele à noite; não posso viver muito tempo. Estou aqui, estou na cova. Você há de ir ao meu enterro, Procópio; não o dispenso por nada. Há de ir, há de rezar ao pé da minha sepultura. Se não for, acrescentou rindo, eu voltarei de noite para lhe puxar as pernas. Você crê em almas de outro mundo, Procópio?
— Qual o quê!
— E por que é que não há de crer, seu burro? redargüiu vivamente, arregalando os olhos.
Eram assim as pazes; imagine a guerra. Coibiu-se das bengaladas; mas as injúrias ficaram as mesmas, se não piores. Eu, com o tempo, fui calejando, e não dava mais por nada; era burro, camelo, pedaço d’asno, idiota, moleirão, era tudo. Nem, ao menos, havia mais gente que recolhesse uma parte desses nomes. Não tinha parentes; tinha um sobrinho que morreu tísico, em fins de maio ou princípios de julho, em Minas. Os amigos iam por lá às vezes aprová-lo, aplaudi-lo, e nada mais; cinco, dez
minutos de visita. Restava eu; era eu sozinho para um dicionário inteiro. Mais de uma vez resolvi sair; mas, instado pelo vigário, ia ficando.
Não só as relações foram-se tornando melindrosas, mas eu estava ansioso por tornar à Corte. Aos quarenta e dois anos não é que havia de acostumar-me à reclusão constante, ao pé de um doente bravio, no interior. Para avaliar o meu isolamento, basta saber que eu nem lia os jornais; salvo alguma notícia mais importante que levavam ao coronel, eu nada sabia do resto do mundo. Entendi, portanto, voltar para a Corte, na primeira ocasião, ainda que tivesse de brigar com o vigário. Bom é dizer
(visto que faço uma confissão geral) que, nada gastando e tendo guardado integralmente os ordenados, estava ansioso por vir dissipá-los aqui.
Era provável que a ocasião aparecesse. O coronel estava pior, fez testamento, descompondo o tabelião, quase tanto como a mim. O trato era mais duro, os breves lapsos de sossego e brandura faziam-se raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a escassa dose de piedade que me fazia esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio e aversão. No princípio de agosto resolvi definitivamente sair; o vigário e o médico, aceitando as razões, pediram-me que ficasse algum tempo mais. Concedi-lhes um mês; no fim de um mês viria embora, qualquer que fosse o estado do doente. O vigário tratou de procurar-me substituto.
Vai ver o que aconteceu. Na noite de vinte e quatro de agosto, o coronel teve um acesso de raiva, atropelou-me, disse-me muito nome cru, ameaçou-me de um tiro, e acabou atirando-me um prato de mingau, que achou frio, o prato foi cair na parede onde se fez em pedaços.
— Hás de pagá-lo, ladrão! bradou ele.
Resmungou ainda muito tempo. Às onze horas passou pelo sono. Enquanto ele dormia, saquei um livro do bolso, um velho romance de d’Arlincourt, traduzido, que lá achei, e pus-me a lê-lo, no mesmo quarto, a pequena distância da cama; tinha de acordá-lo à meia-noite para lhe dar o remédio. Ou fosse de cansaço, ou do livro, antes de chegar ao fim da segunda página adormeci também. Acordei aos gritos do coronel, e levantei-me estremunhado. Ele, que parecia delirar, continuou nos
mesmos gritos, e acabou por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim. Não tive tempo de desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos, e esganei-o.
Quando percebi que o doente expirava, recuei aterrado, e dei um grito; mas ninguém me ouviu. Voltei à cama, agitei-o para chamá-lo à vida, era tarde; arrebentara o aneurisma, e o coronel morreu. Passei à sala contígua, e durante duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso mesmo dizer tudo o que passei, durante esse tempo. Era um atordoamento, um delírio vago e estúpido. Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava umas vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino! assassino!
Tudo o mais estava calado. O mesmo som do relógio, lento, igual e seco, sublinhava o silêncio e a solidão. Colava a orelha à porta do quarto na esperança de ouvir um gemido, uma palavra, uma injúria, qualquer coisa que significasse a vida, e me restituísse a paz à consciência. Estaria pronto a apanhar das mãos do coronel, dez, vinte, cem vezes. Mas nada, nada; tudo calado. Voltava a andar à toa na sala, sentava-me, punha as mãos na cabeça; arrependia-me de ter vindo. — "Maldita a hora
em que aceitei semelhante coisa!" exclamava. E descompunha o padre de Niterói, o médico, o vigário, os que me arranjaram um lugar, e os que me pediram para ficar mais algum tempo. Agarrava-me à cumplicidade dos outros homens.
Como o silêncio acabasse por aterrar-me, abri uma das janelas, para escutar o som do vento, se ventasse. Não ventava. A noite ia tranqüila, as estrelas fulguravam, com a indiferença de pessoas que tiram o chapéu a um enterro que passa, e continuam a falar de outra coisa. Encostei-me ali por algum tempo, fitando a noite, deixando-me ir a uma recapitulação da vida, a ver se descansava da dor presente. Só então posso dizer que pensei claramente no castigo. Achei-me com um crime às costas e vi a punição certa. Aqui o temor complicou o remorso. Senti que os cabelos me ficavam de pé. Minutos depois, vi três ou quatro vultos de pessoas, no terreiro espiando, com um ar de emboscada; recuei, os vultos esvaíram-se no ar; era uma alucinação.
Antes do alvorecer curei a contusão da face. Só então ousei voltar ao quarto. Recuei duas vezes, mas era preciso e entrei; ainda assim, não cheguei logo à cama. Tremiam-me as pernas, o coração batia-me; cheguei a pensar na fuga; mas era confessar o crime, e, ao contrário, urgia fazer desaparecer os vestígios dele. Fui até a cama; vi o cadáver, com os olhos arregalados e a boca aberta, como deixando passar a eterna palavra dos séculos: "Caim, que fizeste de teu irmão?" Vi no
pescoço o sinal das minhas unhas; abotoei alto a camisa e cheguei ao queixo a ponta do lençol. Em seguida, chamei um escravo, disse-lhe que o coronel amanhecera morto; mandei recado ao vigário e ao médico.
A primeira idéia foi retirar-me logo cedo, a pretexto de ter meu irmão doente, e, na verdade, recebera carta dele, alguns dias antes, dizendo-me que se sentia mal. Mas adverti que a retirada imediata poderia fazer despertar suspeitas, e fiquei. Eu mesmo amortalhei o cadáver, com o auxílio de um preto velho e míope. Não saí da sala mortuária; tinha medo de que descobrissem alguma cousa. Queria ver no rosto dos outros se desconfiavam; mas não ousava fitar ninguém. Tudo me dava
impaciências: os passos de ladrão com que entravam na sala, os cochichos, as cerimônias e as rezas do vigário. Vindo a hora, fechei o caixão, com as mãos trêmulas, tão trêmulas que uma pessoa, que reparou nelas, disse a outra com piedade:
— Coitado do Procópio! apesar do que padeceu, está muito sentido.
Pareceu-me ironia; estava ansioso por ver tudo acabado. Saímos à rua. A passagem da meia escuridão da casa para a claridade da rua deu-me grande abalo; receei que fosse então impossível ocultar o crime. Meti os olhos no chão, e fui andando. Quando tudo acabou, respirei. Estava em paz com os homens. Não o estava com a consciência, e as primeiras noites foram naturalmente de desassossego e aflição. Não é preciso dizer que vim logo para o Rio de Janeiro, nem que vivi aqui aterrado, embora longe do crime; não ria, falava pouco, mal comia, tinha alucinações, pesadelos...
— Deixa lá o outro que morreu, diziam-me. Não é caso para tanta melancolia.
E eu aproveitava a ilusão, fazendo muitos elogios ao morto, chamando-lhe boa criatura, impertinente, é verdade, mas um coração de ouro. E elogiando, convencia-me também, ao menos por alguns instantes. Outro fenômeno interessante, e que talvez lhe possa aproveitar, é que, não sendo religioso, mandei dizer uma missa pelo eterno descanso do coronel, na igreja do Sacramento. Não fiz convites, não disse nada a ninguém; fui ouvi-la, sozinho, e estive de joelhos todo o tempo, persignando-me a miúdo. Dobrei a espórtula do padre, e distribuí esmolas à porta, tudo por intenção do finado. Não queria embair os homens; a prova é que fui só. Para completar este ponto, acrescentarei que nunca aludia ao coronel, que não dissesse: "Deus lhe fale n’alma!" E contava dele algumas anedotas alegres, rompantes engraçados...
Sete dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, recebi a carta do vigário, que lhe mostrei, dizendo-me que fora achado o testamento do coronel, e que eu era o herdeiro universal. Imagine o meu pasmo. Pareceu-me que lia mal, fui a meu irmão, fui aos amigos; todos leram a mesma cousa. Estava escrito; era eu o herdeiro universal do coronel. Cheguei a supor que fosse uma cilada; mas adverti logo que havia outros meios de capturar-me, se o crime estivesse descoberto. Demais, eu conhecia a
probidade do vigário, que não se prestaria a ser instrumento. Reli a carta, cinco, dez, muitas vezes; lá estava a notícia.
— Quanto tinha ele? perguntava-me meu irmão.
— Não sei, mas era rico.
— Realmente, provou que era teu amigo.
— Era... Era...
Assim por uma ironia da sorte, os bens do coronel vinham parar às minhas mãos. Cogitei em recusar a herança. Parecia-me odioso receber um vintém do tal espólio; era pior do que fazer-me esbirro alugado. Pensei nisso três dias, e esbarrava sempre na consideração de que a recusa podia fazer desconfiar alguma cousa. No fim dos três dias, assentei num meio-termo; receberia a herança e dá-la-ia toda, aos bocados e às escondidas. Não era só escrúpulo; era também o modo de resgatar
o crime por um ato de virtude; pareceu-me que ficava assim de contas saldas.
Preparei-me e segui para a vila. Em caminho, à proporção que me ia aproximando, recordava o triste sucesso; as cercanias da vila tinham um aspecto de tragédia, e a sombra do coronel parecia-me surgir de cada lado. A imaginação ia reproduzindo as palavras, os gestos, toda a noite horrenda do crime...
Crime ou luta? Realmente, foi uma luta, em que eu, atacado, defendi-me, e na defesa... Foi uma luta desgraçada, uma fatalidade. Fixei-me nessa idéia. E balanceava os agravos, punha no ativo as pancadas, as injúrias... Não era culpa do coronel, bem o sabia, era da moléstia, que o tornava assim rabugento e até mau... Mas eu perdoava tudo, tudo... O pior foi a fatalidade daquela noite... Considerei também que o coronel não podia viver muito mais; estava por pouco; ele mesmo o sentia e dizia. Viveria quanto? Duas semanas, ou uma; pode ser até que menos. Já não era vida, era um molambo de vida, se isto mesmo se podia chamar ao padecer contínuo do pobre homem... E quem sabe mesmo se a luta e a morte não foram apenas coincidentes? Podia ser, era até o mais provável; não foi outra cousa. Fixei-me também nessa idéia...
Perto da vila apertou-se-me o coração, e quis recuar; mas dominei-me e fui. Receberam-me com parabéns. O vigário disse-me as disposições do testamento, os legados pios, e de caminho ia louvando a mansidão cristã e o zelo com que eu servira ao coronel, que, apesar de áspero e duro, soube ser grato.
— Sem dúvida, dizia eu olhando para outra parte.
Estava atordoado. Toda a gente me elogiava a dedicação e a paciência. As primeiras necessidades do inventário detiveram-me algum tempo na vila. Constituí advogado; as cousas correram placidamente. Durante esse tempo, falava muita vez do coronel. Vinham contar-me cousas dele, mas sem a moderação do padre; eu defendia-o, apontava algumas virtudes, era austero...
— Qual austero! Já morreu, acabou; mas era o diabo.
E referiam-me casos duros, ações perversas, algumas extraordinárias. Quer que lhe diga? Eu, a princípio, ia ouvindo cheio de curiosidade; depois, entrou-me no coração um singular prazer, que eu sinceramente buscava expelir. E defendia o coronel, explicava-o, atribuía alguma coisa às rivalidades locais; confessava, sim, que era um pouco violento... Um pouco? Era uma cobra assanhada, interrompia-me o barbeiro; e todos, o coletor, o boticário, o escrivão, todos diziam a mesma coisa; e
vinham outras anedotas, vinha toda a vida do defunto. Os velhos lembravam-se das crueldades dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de mim, espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços recompunha-se logo e ia ficando.
As obrigações do inventário distraíram-me; e por outro lado a opinião da vila era tão contrária ao coronel, que a vista dos lugares foi perdendo para mim a feição tenebrosa que a princípio achei neles. Entrando na posse da herança, converti-a em títulos e dinheiro. Eram então passados muitos meses, e a idéia de distribuí-la toda em esmolas e donativos pios não me dominou como da primeira vez; achei mesmo que era afetação. Restringi o plano primitivo: distribuí alguma cousa aos pobres, dei à matriz da vila uns paramentos novos, fiz uma esmola à Santa Casa da Misericórdia, etc.: ao todo trinta e dous contos. Mandei também levantar um túmulo ao coronel, todo de mármore, obra de um napolitano, que aqui esteve até 1866, e foi morrer, creio eu, no Paraguai.
Os anos foram andando, a memória tornou-se cinzenta e desmaiada. Penso às vezes no coronel, mas sem os terrores dos primeiros dias. Todos os médicos a quem contei as moléstias dele, foram acordes em que a morte era certa, e só se admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode ser que eu, involuntariamente, exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a verdade é que ele devia morrer, ainda que não fosse aquela fatalidade...
Adeus, meu caro senhor. Se achar que esses apontamentos valem alguma coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio esta emenda que faço aqui ao divino sermão da montanha: "Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados."
Saudações! Bem-vindo ao meu planeta, caro internauta! Aqui, neste "blogmundo", você encontrará os mais exóticos espécimes de gêneros textuais! Alguns são divertidos, outros emocionantes! Outros, porém, podem abrir tua mente e mostrar que educação, informação, diversão e cultura podem conviver harmoniosamente em um mesmo espaço ou por todo o universo! Além de textos de minha própria autoria, você encontrará textos de autores consagrados também! (Contato: profirmeza@gmail.com)
domingo, 27 de fevereiro de 2011
O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO - Ignácio de Loyola Brandão
O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO
Ignácio de Loyola Brandão
Quando menino, costumava apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal, cortando folhas das árvores. Havia mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros e até mesmo jabuticabeiras. Um quintal enorme, que parecia uma chácara e onde o menino passava o dia cortando folhas. A mãe gostava, assim ele não ia para a rua, não andava em más companhias. E sempre que o menino apanhava o seu caminhão de madeira (naquele tempo, ainda não havia os caminhões de plástico, felizmente) e cruzava o portão, a mãe corria com a tesoura: tome, filhinho, venha brincar com as suas folhas. Ele voltava e cortava. As árvores levavam vantagem, porque eram imensas e o menino pequeno. O seu trabalho rendia pouco, apesar do dia-a-dia, constante, de manhã à noite.
Mas o menino cresceu, ganhou tesouras maiores. Parecia determinado, à medida que o tempo passava, a acabar com as folhas todas. Dominado por uma estranha impulsão, ele não queria ia à escola, não queria ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das mais diversas qualidades e tipos. Dormia com elas no quarto. À noite, com uma pedra de amolar, afiava bem os cortes, preparando-as para as tarefas do dia seguinte. Às vezes, deixava aberta a janela, para que o luar brilhasse nas tesouras polidas.
A mãe, muito contente, apesar de o filho detestar a escola e ir mal nas letras. Todavia, era um menino comportado, não saía de casa, não andava em más companhias, não se embriagava aos sábados como os outros meninos do quarteirão, não freqüentava ruas suspeitas onde mulheres pintadas exageradamente se postavam às janelas chamando os incautos. Seu único prazer eras as tesouras e o corte das folhas.
Só que, agora, ele era maior e as árvores começaram a perder. Ele demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira. Quinze dias para a mangueira menor e vinte e cinco para a maior. Quarenta dias para o abacateiro, que era imenso, tinha mais de cinqüenta anos. E seis meses depois, quando concluiu, já a jabuticabeira tinha novas folhas e ele precisou recomeçar.
Certa noite, regressando do quintal agora silencioso, porque o desbastamento das árvores tinha afugentado pássaros e destruído ninhos, ele concluiu que de nada adiantaria podar as folhas. Elas se recomporiam sempre. É uma capacidade da natureza, morrer e reviver. Como o seu cérebro era diminuto, ele demorou meses para encontrar a solução: um machado.
Numa terça-feira, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a derrubada do abacateiro. Levou dez dias, porque não estava habituado a manejar machados, as mãos calejaram, sangraram. Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado. Mas insatisfeito, porque agora passava os dias a olhar aquela desolação, ele saiu de machado em punho, para os arredores da cidade. Onde encontrava árvores, capões, matos, atacava, limpava, deixava os montes de lenhas arrumadinhos para quem quisesse se servir. Os donos dos terrenos não se importavam, estavam em via de vendê-los para fábricas ou imobiliárias e precisavam de tudo limpo mesmo.
E o homem do machado descobriu que podia ganhar a vida com o seu instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Não parava. Contratou uma secretária para organizar uma agenda. Depois, auxiliares. Montou uma companhia, construiu edifícios para guardar machados, abrigar seus operários devastadores. Importou tratores e máquinas especializadas do estrangeiro. Mandou assistentes fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa. Eles voltaram peritos de primeira linha. E trabalhavam, derrubavam. Foram do sul ao norte, não deixando nada em pé. Onde quer que houvesse uma folha verde, lá estava uma tesoura, um machado, um aparelho eletrônico para arrasar.
E enquanto ele ficava milionário, o país se transformava num deserto, terra calcinada. E então, o governo, para remediar, mandou buscar em Israel técnicos especializados em tornar férteis as terras do deserto. E os homens mandaram plantar árvores. E enquanto as árvores eram plantadas, o homem do machado ensinava ao filho a sua profissão.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras proibidas. 4. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1984. p. 78-80.
Ignácio de Loyola Brandão
Quando menino, costumava apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal, cortando folhas das árvores. Havia mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros e até mesmo jabuticabeiras. Um quintal enorme, que parecia uma chácara e onde o menino passava o dia cortando folhas. A mãe gostava, assim ele não ia para a rua, não andava em más companhias. E sempre que o menino apanhava o seu caminhão de madeira (naquele tempo, ainda não havia os caminhões de plástico, felizmente) e cruzava o portão, a mãe corria com a tesoura: tome, filhinho, venha brincar com as suas folhas. Ele voltava e cortava. As árvores levavam vantagem, porque eram imensas e o menino pequeno. O seu trabalho rendia pouco, apesar do dia-a-dia, constante, de manhã à noite.
Mas o menino cresceu, ganhou tesouras maiores. Parecia determinado, à medida que o tempo passava, a acabar com as folhas todas. Dominado por uma estranha impulsão, ele não queria ia à escola, não queria ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das mais diversas qualidades e tipos. Dormia com elas no quarto. À noite, com uma pedra de amolar, afiava bem os cortes, preparando-as para as tarefas do dia seguinte. Às vezes, deixava aberta a janela, para que o luar brilhasse nas tesouras polidas.
A mãe, muito contente, apesar de o filho detestar a escola e ir mal nas letras. Todavia, era um menino comportado, não saía de casa, não andava em más companhias, não se embriagava aos sábados como os outros meninos do quarteirão, não freqüentava ruas suspeitas onde mulheres pintadas exageradamente se postavam às janelas chamando os incautos. Seu único prazer eras as tesouras e o corte das folhas.
Só que, agora, ele era maior e as árvores começaram a perder. Ele demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira. Quinze dias para a mangueira menor e vinte e cinco para a maior. Quarenta dias para o abacateiro, que era imenso, tinha mais de cinqüenta anos. E seis meses depois, quando concluiu, já a jabuticabeira tinha novas folhas e ele precisou recomeçar.
Certa noite, regressando do quintal agora silencioso, porque o desbastamento das árvores tinha afugentado pássaros e destruído ninhos, ele concluiu que de nada adiantaria podar as folhas. Elas se recomporiam sempre. É uma capacidade da natureza, morrer e reviver. Como o seu cérebro era diminuto, ele demorou meses para encontrar a solução: um machado.
Numa terça-feira, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a derrubada do abacateiro. Levou dez dias, porque não estava habituado a manejar machados, as mãos calejaram, sangraram. Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado. Mas insatisfeito, porque agora passava os dias a olhar aquela desolação, ele saiu de machado em punho, para os arredores da cidade. Onde encontrava árvores, capões, matos, atacava, limpava, deixava os montes de lenhas arrumadinhos para quem quisesse se servir. Os donos dos terrenos não se importavam, estavam em via de vendê-los para fábricas ou imobiliárias e precisavam de tudo limpo mesmo.
E o homem do machado descobriu que podia ganhar a vida com o seu instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Não parava. Contratou uma secretária para organizar uma agenda. Depois, auxiliares. Montou uma companhia, construiu edifícios para guardar machados, abrigar seus operários devastadores. Importou tratores e máquinas especializadas do estrangeiro. Mandou assistentes fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa. Eles voltaram peritos de primeira linha. E trabalhavam, derrubavam. Foram do sul ao norte, não deixando nada em pé. Onde quer que houvesse uma folha verde, lá estava uma tesoura, um machado, um aparelho eletrônico para arrasar.
E enquanto ele ficava milionário, o país se transformava num deserto, terra calcinada. E então, o governo, para remediar, mandou buscar em Israel técnicos especializados em tornar férteis as terras do deserto. E os homens mandaram plantar árvores. E enquanto as árvores eram plantadas, o homem do machado ensinava ao filho a sua profissão.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras proibidas. 4. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1984. p. 78-80.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
LOLO BARNABÉ - EVA FURNARI
LOLO BARNABÉ
No tempo em que as pessoas moravam em cavernas existiu um homem muito criativo e inteligente chamado Lolo Barnabé.
Aos vinte anos, lolo casou-se com Brisa. Ela também era como ele, criativa e inteligente. Casaram-se por amor. Muito amor.
Depois da lua-de-mel, escolheram a melhor caverna da região para morar e, logo no primeiro ano de casamento, tiveram um filho, o Finfo Barnabé, também criativo e inteligente.
Todos ao dias, Lolo saía para caçar e colhe frutas. A noite, sentavam-se todos em volta da fogueira, assavam a carne, cantavam canções e agradeciam a Deus pela beleza da vida.
Eram muito felizes... mas nem tanto
A caverna era úmida.
Por essa razão, Lolo e Brisa acharam melhor construir uma casa no alto do moro.
Teriam mais conforto e poderiam viver melhor.
Lolo, que era muito habilidoso, fez uma casa linda, e a família, animada, mudou-se para lá. Brisa queria que a casa fosse amarela e lolo, que amava a esposa e lhe fazia todas as vontades, pintou a casa de amarelo.
O tempo passou e eles estavam felizes... mas nem tanto.
Brisa não gostava de vestir aquela pele de animal. Sentia frio.
Então eles tiveram a idéia de fazer roupas mais adequadas. E, como ela também era habilidosa, inventou o vestido.Ficou animada e, em seguida, inventou o sutiã, a calcinha, a cueca, a camisa, a calça, a bermuda e o pijama. E Lolo inventou sapatos que combinassem.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa achou que faltava uma coisa e falou para Lolo:
- Amor, não podemos deixar nossas belas roupas pelo chão. Você não acha que poderíamos fazer assim uma especie de móvel para guardar a roupa?
Lolo achou que era uma excelente idéia, tudo ia ficar mais limpo, e inventou o guarda-roupa. Como era muito habilidoso, fez um grande armário de cerejeira, cheio de gavetas, portas e puxadores cromados.
Finfo adorou, já tinha um lugar para se esconder quando brincasse de esconde-esconde com o pai.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha feito uam bagunça danada para construir o armário e Brisa ficou irritada.
Lolo, então, para acalmar a mulher, inventou a vassoura e achou que era melhor já fazer uma oficina longe de casa para não atrapalhar a felicidade do lar. E fez.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
No lar havia problemas. Finfo acordava sempre com o pijama sujo depois de dormir no chão.
Brisa discutiu a questão com o Lolo e eles acharam que podiam construir uam espécie de coisa assim, de madeira, com quatro pés, macia por cima. Ia ser muito mais confortável e a vida deles ia melhorar.
Lolo pensou bastante, trabalhou muito e inventou a cama. Como todos sabem, Lolo era caprichoso, e já inventou a cama com colchão, cobertor e travesseiro.
Brisa ficou encantada, principalmente com o travesseiro, que era a coisa mais macia do mundo.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Como eles almoçavam e jantavam em cima da coisa macia, a cama, estavam sujando muito os lençóis.
Lolo, então, inventou a mesa.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Acharam muito desconfortável comer de pé.Lolo trabalhou bastante e inventou a cadeira. Muito confortável, muito confortável mesmo, bem melhor que comer em pé. Aproveitou para ficar sentado por mais de uam hora, pois ele estava cansado de tanto inventar e construir coisas, além decaçar e colher frutas é claro.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.Lolo e Brisa estavam achando que cozinhar na fogueira dava muito trabalho e eles não queriam trabalhar tanto. Se inventassem algo mais prático, teriam mais tempo para ficar juntos, se divertir e descansar. Inventaram, então, o fogão a gás.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lavar a roupa lá no rio também era coisa dura. Brisa e Lolo queriam facilitar essa tarefa. Pensaram muito e inventaram a água encanada e o tanque. E, já que tinham inventado a água encanda, inventaram logo o banheiro para não ter que ir no mato, a noite, no frio.
Deu trabalho, Lolo já trabalhava oito horas por dia, inventando e construindo coisas e, apesar do cansaço, o resultado compensava.
O banheiro ficou maravilhoso.
Fizeram uma festa com o sabonete, o xampu, o condicionador, o creme hidratante, a esponja de banho, o talco, o papel higiênico, o perfume, o mercurocromo, o algodão, a gaze, o esparadrapo, o cotonete, etc...
Lolo adorou o creme, a lamina de barbear, a loção pós-braba, o barbeador elétrico, o desodorante, etc...
Ficaram encantados com a escova de dentes, o creme dental, o protetor solar, o colírio, etc....
Divertiram-se muito com o pente, a escova, o grampo, o secador de cabelo, etc....
E enlouqueceram de alegria com o espelho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha tanto trabalho e passava tantas horas por dia fora de casa, inventando coisas para dar conforto e facilitar a vida, que ficava estressado e com saudades do filho, que sempre estava dormindo quando ele chegava. Então Lolo inventou o tlefone, para que lês pudessem se falar diversas vezes por dia.
Todos ficaram felizes.... mas nem tanto.Pelo telefone não dava para abraçar, nem beijar. Então tiveram a idéia de Brisa ajuadá-lo na oficina, assim Lolo poderia chegar mais cedo do trabalho para abraçar e beijar o filho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa e Lolo, a noite, quando chegaram do trabalho, depois de abraçar e beijar o filho Finfo, ainda tinham que lavar a louça, a roupa, fazer o jantar, passar pano no chão e ficavam cansados, irritados, briguentos e enjoados de fazer todos os dias aquilo tudo. Naquele tempo ainda não tinham inventado a pizza delivery.
Acharam que a solução era facilitar as tarefas. Pensaram tanto que quase fritaram o cérebro quando inventaram, de uam so vez: o liquidificador, a batedeira a centyrifuga, a cafeteira, o espremedor, a garrafa térmica, etc...
O microondas, a torradeira, a sanduicheira, etc...
A maquina de lavar roupa, o sabão em pó, o detergente, o amaciante, o alvejante, o desinfetante, etc...
A geladeira, o freezer, a despensa, etc...
A maquina de lavar louça, a secadora, o balde, o esfregão, a lata de lixo, etc...
O carpete, o aspirador de pó, o tira-manchas, etc...
E, finalmente, inventaram o fim de semana, que ninguém é de ferro.
Todos ficaram felizes.... mas nem tanto.
Sempre tinha algum aparelho que encrencava e isso era dor de cabeça danada.
Eles tinham que levar para a oficina para consertar e, como já estavam acostumados com o conforto, ficavam extremamente irritados e impacientes de fazer as coisas na mão. Coisinhas como lavar a louça, a roupa, bater ovos....
Além do mais, a família Barnabé, agora era chique.
Lolo, Brisa e Finfo passaram a achar importante estarem sempre bonitos e elegantes. Não queriam mais andar de qualquer jeito, com a roupa amarrotada.
Não ficava bem.
Lolo inventou, então, o ferro de passar.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Dava um trabalho danado passar a roupa. E Brisa não tinha mais tempo, afinal ela trabalhava fora.
E Lolo, dessa vez, não se sabe por que, não conseguiu inventar uma máquina de passar roupa. Deve ter dado um tilt nas idéias dele.
Mas é compreensível, porque, afinal, ele também era humano e as vezes falhava.
Lolo ficou muito depremido e pensativo, mas a mulher foi compreensiva e arranjou uma solução: chamou sua prima para vir todos os dias passar a roupa.
Era uma ótima idéia, porque ela poderia fazer também as outras coisas na oficina.
A prima queria alguma recompensa por trabalhar na casa e então inventaram o dinheiro e deram para ela um salário. Como era pouquinho, chamaram de salário mínimo.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Finfo ficava sozinho o dia inteiro sem mãe nem o pai por perto. Sentia-se infeliz, não tinha com quem brincar, já que a prima de brisa também so ficava cuidando da casa.Então lolo e brisa inventaram a televisão, o sofá e o controle remoto.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Eles chegavam a noite tão cansados do trabalho e o Finfo querendo brincar e eles querendo descansar que acabavam brigando. Depois, também, cansados de brigar, sentavam-se todos na frente da televisão e ficavam hipnotizados e mudos como sacos de batata.
A família Barnabé sentia que aquilo não estavam bom.
Havia alguma coisa errada naquela historia, mas era difícil, entender o que é que estava errado.
A situação parecia um grande nó.
Lolo e Brisa pensaram logo em inventar mais alguma coisa, mas pela primeira vez não sabiam o que fazer. E, na verdade, pela primeira vez também perceberam que não era o caso de inventar mais nada.
Então eles foram para o quintal, acenderam uma fogueira e sentaram-se em volta dela, muito tristes buscando uma saída.
Olhando para o fogo, entenderam que eles mesmos tinham criado aquela situação.
E ficaram muito infelizes... mas nem tanto.
Lolo contou uma historia e Finfo contou outra. Brisa entoou uma canção e lembrou-se de fazer algo
que havia muito tempo não fazia: agradecer a Deus pela beleza da vida.Finalmente entenderam que, se eles mesmos tinham feito aquela armadilha, eles mesmospoderiam desfaze-la. Eles eram bem criativos e inteligentes.
No tempo em que as pessoas moravam em cavernas existiu um homem muito criativo e inteligente chamado Lolo Barnabé.
Aos vinte anos, lolo casou-se com Brisa. Ela também era como ele, criativa e inteligente. Casaram-se por amor. Muito amor.
Depois da lua-de-mel, escolheram a melhor caverna da região para morar e, logo no primeiro ano de casamento, tiveram um filho, o Finfo Barnabé, também criativo e inteligente.
Todos ao dias, Lolo saía para caçar e colhe frutas. A noite, sentavam-se todos em volta da fogueira, assavam a carne, cantavam canções e agradeciam a Deus pela beleza da vida.
Eram muito felizes... mas nem tanto
A caverna era úmida.
Por essa razão, Lolo e Brisa acharam melhor construir uma casa no alto do moro.
Teriam mais conforto e poderiam viver melhor.
Lolo, que era muito habilidoso, fez uma casa linda, e a família, animada, mudou-se para lá. Brisa queria que a casa fosse amarela e lolo, que amava a esposa e lhe fazia todas as vontades, pintou a casa de amarelo.
O tempo passou e eles estavam felizes... mas nem tanto.
Brisa não gostava de vestir aquela pele de animal. Sentia frio.
Então eles tiveram a idéia de fazer roupas mais adequadas. E, como ela também era habilidosa, inventou o vestido.Ficou animada e, em seguida, inventou o sutiã, a calcinha, a cueca, a camisa, a calça, a bermuda e o pijama. E Lolo inventou sapatos que combinassem.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa achou que faltava uma coisa e falou para Lolo:
- Amor, não podemos deixar nossas belas roupas pelo chão. Você não acha que poderíamos fazer assim uma especie de móvel para guardar a roupa?
Lolo achou que era uma excelente idéia, tudo ia ficar mais limpo, e inventou o guarda-roupa. Como era muito habilidoso, fez um grande armário de cerejeira, cheio de gavetas, portas e puxadores cromados.
Finfo adorou, já tinha um lugar para se esconder quando brincasse de esconde-esconde com o pai.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha feito uam bagunça danada para construir o armário e Brisa ficou irritada.
Lolo, então, para acalmar a mulher, inventou a vassoura e achou que era melhor já fazer uma oficina longe de casa para não atrapalhar a felicidade do lar. E fez.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
No lar havia problemas. Finfo acordava sempre com o pijama sujo depois de dormir no chão.
Brisa discutiu a questão com o Lolo e eles acharam que podiam construir uam espécie de coisa assim, de madeira, com quatro pés, macia por cima. Ia ser muito mais confortável e a vida deles ia melhorar.
Lolo pensou bastante, trabalhou muito e inventou a cama. Como todos sabem, Lolo era caprichoso, e já inventou a cama com colchão, cobertor e travesseiro.
Brisa ficou encantada, principalmente com o travesseiro, que era a coisa mais macia do mundo.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Como eles almoçavam e jantavam em cima da coisa macia, a cama, estavam sujando muito os lençóis.
Lolo, então, inventou a mesa.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Acharam muito desconfortável comer de pé.Lolo trabalhou bastante e inventou a cadeira. Muito confortável, muito confortável mesmo, bem melhor que comer em pé. Aproveitou para ficar sentado por mais de uam hora, pois ele estava cansado de tanto inventar e construir coisas, além decaçar e colher frutas é claro.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.Lolo e Brisa estavam achando que cozinhar na fogueira dava muito trabalho e eles não queriam trabalhar tanto. Se inventassem algo mais prático, teriam mais tempo para ficar juntos, se divertir e descansar. Inventaram, então, o fogão a gás.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lavar a roupa lá no rio também era coisa dura. Brisa e Lolo queriam facilitar essa tarefa. Pensaram muito e inventaram a água encanada e o tanque. E, já que tinham inventado a água encanda, inventaram logo o banheiro para não ter que ir no mato, a noite, no frio.
Deu trabalho, Lolo já trabalhava oito horas por dia, inventando e construindo coisas e, apesar do cansaço, o resultado compensava.
O banheiro ficou maravilhoso.
Fizeram uma festa com o sabonete, o xampu, o condicionador, o creme hidratante, a esponja de banho, o talco, o papel higiênico, o perfume, o mercurocromo, o algodão, a gaze, o esparadrapo, o cotonete, etc...
Lolo adorou o creme, a lamina de barbear, a loção pós-braba, o barbeador elétrico, o desodorante, etc...
Ficaram encantados com a escova de dentes, o creme dental, o protetor solar, o colírio, etc....
Divertiram-se muito com o pente, a escova, o grampo, o secador de cabelo, etc....
E enlouqueceram de alegria com o espelho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha tanto trabalho e passava tantas horas por dia fora de casa, inventando coisas para dar conforto e facilitar a vida, que ficava estressado e com saudades do filho, que sempre estava dormindo quando ele chegava. Então Lolo inventou o tlefone, para que lês pudessem se falar diversas vezes por dia.
Todos ficaram felizes.... mas nem tanto.Pelo telefone não dava para abraçar, nem beijar. Então tiveram a idéia de Brisa ajuadá-lo na oficina, assim Lolo poderia chegar mais cedo do trabalho para abraçar e beijar o filho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa e Lolo, a noite, quando chegaram do trabalho, depois de abraçar e beijar o filho Finfo, ainda tinham que lavar a louça, a roupa, fazer o jantar, passar pano no chão e ficavam cansados, irritados, briguentos e enjoados de fazer todos os dias aquilo tudo. Naquele tempo ainda não tinham inventado a pizza delivery.
Acharam que a solução era facilitar as tarefas. Pensaram tanto que quase fritaram o cérebro quando inventaram, de uam so vez: o liquidificador, a batedeira a centyrifuga, a cafeteira, o espremedor, a garrafa térmica, etc...
O microondas, a torradeira, a sanduicheira, etc...
A maquina de lavar roupa, o sabão em pó, o detergente, o amaciante, o alvejante, o desinfetante, etc...
A geladeira, o freezer, a despensa, etc...
A maquina de lavar louça, a secadora, o balde, o esfregão, a lata de lixo, etc...
O carpete, o aspirador de pó, o tira-manchas, etc...
E, finalmente, inventaram o fim de semana, que ninguém é de ferro.
Todos ficaram felizes.... mas nem tanto.
Sempre tinha algum aparelho que encrencava e isso era dor de cabeça danada.
Eles tinham que levar para a oficina para consertar e, como já estavam acostumados com o conforto, ficavam extremamente irritados e impacientes de fazer as coisas na mão. Coisinhas como lavar a louça, a roupa, bater ovos....
Além do mais, a família Barnabé, agora era chique.
Lolo, Brisa e Finfo passaram a achar importante estarem sempre bonitos e elegantes. Não queriam mais andar de qualquer jeito, com a roupa amarrotada.
Não ficava bem.
Lolo inventou, então, o ferro de passar.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Dava um trabalho danado passar a roupa. E Brisa não tinha mais tempo, afinal ela trabalhava fora.
E Lolo, dessa vez, não se sabe por que, não conseguiu inventar uma máquina de passar roupa. Deve ter dado um tilt nas idéias dele.
Mas é compreensível, porque, afinal, ele também era humano e as vezes falhava.
Lolo ficou muito depremido e pensativo, mas a mulher foi compreensiva e arranjou uma solução: chamou sua prima para vir todos os dias passar a roupa.
Era uma ótima idéia, porque ela poderia fazer também as outras coisas na oficina.
A prima queria alguma recompensa por trabalhar na casa e então inventaram o dinheiro e deram para ela um salário. Como era pouquinho, chamaram de salário mínimo.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Finfo ficava sozinho o dia inteiro sem mãe nem o pai por perto. Sentia-se infeliz, não tinha com quem brincar, já que a prima de brisa também so ficava cuidando da casa.Então lolo e brisa inventaram a televisão, o sofá e o controle remoto.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Eles chegavam a noite tão cansados do trabalho e o Finfo querendo brincar e eles querendo descansar que acabavam brigando. Depois, também, cansados de brigar, sentavam-se todos na frente da televisão e ficavam hipnotizados e mudos como sacos de batata.
A família Barnabé sentia que aquilo não estavam bom.
Havia alguma coisa errada naquela historia, mas era difícil, entender o que é que estava errado.
A situação parecia um grande nó.
Lolo e Brisa pensaram logo em inventar mais alguma coisa, mas pela primeira vez não sabiam o que fazer. E, na verdade, pela primeira vez também perceberam que não era o caso de inventar mais nada.
Então eles foram para o quintal, acenderam uma fogueira e sentaram-se em volta dela, muito tristes buscando uma saída.
Olhando para o fogo, entenderam que eles mesmos tinham criado aquela situação.
E ficaram muito infelizes... mas nem tanto.
Lolo contou uma historia e Finfo contou outra. Brisa entoou uma canção e lembrou-se de fazer algo
que havia muito tempo não fazia: agradecer a Deus pela beleza da vida.Finalmente entenderam que, se eles mesmos tinham feito aquela armadilha, eles mesmospoderiam desfaze-la. Eles eram bem criativos e inteligentes.
Conto realista: A CAUSA SECRETA - Machado de Assis
A causa secreta - Machado de Assis
GARCIA, EM PÉ, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de
balanço, olhava para o tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um
trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada.
Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o
casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os
três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de
contar a história sem rebuço.
Tinham falado também de outra cousa, além daquelas três, cousa tão feia
e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da
casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. Agora
mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há
no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em
verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender é
preciso remontar à origem da situação.
Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860,
estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato, pela primeira vez, à
porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão afigura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo
encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manoel. Uma de suas
raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa
rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de
quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até
aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali
Fortunato, e sentou-se ao pé dele.
A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e
remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances
dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um
personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça
reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas
Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi
pelo beco do Cotovelo, rua de S. José, até o largo da Carioca. Ia devagar,
cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que
dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No largo da Carioca entrou
num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou
para casa sem saber mais nada.
Decorreram algumas semanas. Uma noite, eram nove horas, estava em
casa, quando ouviu rumor de vozes na escada; desceu logo do sótão, onde
morava, ao primeiro andar, onde vivia um empregado do arsenal de guerra.
Era este que alguns homens conduziam, escada acima, ensangüentado. O
preto que o servia acudiu a abrir a porta; o homem gemia, as vozes eram
confusas, a luz pouca. Deposto o ferido na cama, Garcia disse que era
preciso chamar um médico.
— Já aí vem um, acudiu alguém.
Garcia olhou: era o próprio homem da Santa Casa e do teatro. Imaginou
que seria parente ou amigo do ferido; mas rejeitou a suposição, desde que
lhe ouvira perguntar se este tinha família ou pessoa próxima. Disse-lhe o
preto que não, e ele assumiu a direção do serviço, pediu às pessoas estranhas
que se retirassem, pagou aos carregadores, e deu as primeiras ordens.
Sabendo que o Garcia era vizinho e estudante de medicina pediu-lhe que
ficasse para ajudar o médico. Em seguida contou o
que se passara.
— Foi uma malta de capoeiras. Eu vinha do quartel de Moura, onde fui
visitar um primo, quando ouvi um barulho muito grande, e logo depois um
ajuntamento. Parece que eles feriram também a um sujeito que passava, e
que entrou por um daqueles becos; mas eu só vi a este senhor, que
atravessava a rua no momento em que um dos capoeiras, roçando por ele,
meteu-lhe o punhal. Não caiu logo; disse onde morava e, como era a dois
passos, achei melhor trazê-lo.
— Conhecia-o antes? perguntou Garcia.
— Não, nunca o vi. Quem é?
— É um bom homem, empregado no arsenal de guerra. Chama-se Gouvêa.
— Não sei quem é.
Médico e subdelegado vieram daí a pouco; fez-se o curativo, e tomaramse as informações. O desconhecido declarou chamar-se Fortunato Gomes daSilveira, ser capitalista, solteiro, morador em Catumbi. A ferida foi
reconhecida grave. Durante o curativo ajudado pelo estudante, Fortunato
serviu de criado, segurando a bacia, a vela, os panos, sem perturbar nada,
olhando friamente para o ferido, que gemia muito. No fim, entendeu-se
particularmente com o médico, acompanhou-o até o patamar da escada, e
reiterou ao subdelegado a declaração de estar pronto a auxiliar as pesquisas
da polícia. Os dous saíram, ele e o estudante ficaram no quarto.
Garcia estava atônito. Olhou para ele, viu-o sentar-se tranqüilamente,
estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças, e fitar os olhos no
ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a
expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba,
por baixo do queixo, e de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rara. Teria
quarenta anos. De quando em quando, voltava-se para o estudante, e
perguntava alguma coisa acerca do ferido; mas
tornava logo a olhar para ele, enquanto o rapaz lhe dava a resposta. A
sensação que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de
curiosidade; não podia negar que estava assistindo a um ato de rara
dedicação, e se era desinteressado como parecia, não havia mais que aceitar
o coração humano como um poço de mistérios.
Fortunato saiu pouco antes de uma hora; voltou nos dias seguintes, mas a
cura fez-se depressa, e, antes de concluída, desapareceu sem dizer ao
obsequiado onde morava. Foi o estudante que lhe deu as indicações do
nome, rua e número.
— Vou agradecer-lhe a esmola que me fez, logo que possa sair, disse o
convalescente.
Correu a Catumbi daí a seis dias. Fortunato recebeu-o constrangido, ouviu
impaciente as palavras de agradecimento, deu-lhe uma resposta enfastiada e
acabou batendo com as borlas do chambre no joelho. Gouvêa, defronte dele,
sentado e calado, alisava o chapéu com os dedos, levantando os olhos de
quando em quando, sem achar mais nada que dizer. No fim de dez minutos,
pediu licença para sair, e saiu.
— Cuidado com os capoeiras! disse-lhe o dono da casa, rindo-se.
O pobre-diabo saiu de lá mortificado, humilhado, mastigando a custo o
desdém, forcejando por esquecê-lo, explicá-lo ou perdoá-lo, para que no
coração só ficasse a memória do benefício; mas o esforço era vão. O
ressentimento, hóspede novo e exclusivo, entrou e pôs fora o benefício, de
tal modo que o desgraçado não teve mais que trepar à cabeça e refugiar-se
ali como uma simples idéia. Foi assim que o próprio benfeitor insinuou a
este homem o sentimento da ingratidão.
Tudo isso assombrou o Garcia. Este moço possuía, em gérmen, a
faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor da
análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas
morais, até apalpar o segredo de um organismo. Picado de curiosidade,
lembrou-se de ir ter com o homem de Catumbi, mas advertiu que nem
recebera dele o oferecimento formal da casa. Quando menos, era-lhe preciso
um pretexto, e não achou nenhum.
Tempos depois, estando já formado e morando na rua de Matacavalos,perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda
outras vezes, e a freqüência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato
convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi.
— Sabe que estou casado?
— Não sabia.
— Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco
domingo.
— Domingo?
— Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo.
Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e
boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele
não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as
outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se
não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco.
Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta,
airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não
passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre
eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade
moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam
o respeito e confinavam na resignação e no temor. Um dia, estando os três
juntos, perguntou Garcia a Maria Luísa se tivera notícia das circunstâncias
em que ele conhecera o marido.
— Não, respondeu a moça.
— Vai ouvir uma ação bonita.
— Não vale a pena, interrompeu Fortunato.
— A senhora vai ver se vale a pena, insistiu o médico.
Contou o caso da rua de D. Manoel. A moça ouviu-o espantada.
Insensivelmente estendeu a mão e apertou o pulso ao marido, risonha e
agradecida, como se acabasse de descobrir-lhe o coração. Fortunato sacudia
os ombros, mas não ouvia com indiferença. No fim contou ele próprio a
visita que o ferido lhe fez, com todos os pormenores da figura, dos gestos,
das palavras atadas, dos silêncios, em suma, um estúrdio. E ria muito ao
contá-la. Não era o riso da dobrez. A dobrez é evasiva e
oblíqua; o riso dele era jovial e franco.
" Singular homem!" pensou Garcia.
Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico
restituiu-lhe a satisfação anterior, voltando a referir a dedicação deste e as
suas raras qualidades de enfermeiro; tão bom enfermeiro, concluiu ele, que,
se algum dia fundar uma casa de saúde, irei convidá-lo.
— Valeu? perguntou Fortunato.
— Valeu o quê?
— Vamos fundar uma casa de saúde?
— Não valeu nada; estou brincando.
— Podia-se fazer alguma cousa; e para o senhor, que começa a clínica, acho
que seria bem bom. Tenho justamente uma casa que vai vagar, e serve.
Garcia recusou nesse e no dia seguinte; mas a idéia tinha-se metido na
cabeça ao outro, e não foi possível recuar mais. Na verdade, era uma boaestréia para ele, e podia vir a ser um bom negócio para ambos. Aceitou
finalmente, daí a dias, e foi uma desilusão para Maria Luísa. Criatura
nervosa e frágil, padecia só com a idéia de que o marido tivesse de viver em
contato com enfermidades humanas, mas não ousou opor-se-lhe, e curvou a
cabeça. O plano fez-se e cumpriu-se depressa. Verdade é que Fortunato não
curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio
administrador e chefe de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo,
compras e caldos, drogas e contas.
Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da rua D. Manoel
não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem.
Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não
conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a
qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia.
Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os
cáusticos.
— Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.
A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornouse familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a
vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que
lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o
agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao
canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso,
entrou-lhe o amor no coração. Quando deu
por ele, quis expeli-lo para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço
que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa
compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por
achada.
No começo de outubro deu-se um incidente que desvendou ainda mais aos
olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia
e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e
cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o
laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um
dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como
cousa sua, alcançasse do marido a
cessação de tais experiências.
— Mas a senhora mesma...
Maria Luísa acudiu, sorrindo:
— Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor,
como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz...
Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os
foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria
Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia
ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha
alguma coisa, ela respondeu que nada.
— Deixe ver o pulso.
— Não tenho nada.
Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, aocontrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar
o marido em tempo.
Dois dias depois, — exatamente o dia em que os vemos agora, — Garcia
foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele
caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa
saía aflita.
— Que é? perguntou-lhe.
— O rato! O rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.
Garcia lembrou-se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar-se de um
rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que
viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre
a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o
polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta
pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento
em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em
seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a
fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia
estacou horrorizado.
— Mate-o logo! disse-lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que
traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira
pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O
miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não
acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e
estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a
fazê-lo, porque o diabo do homem impunha
medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a
última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com
os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao
descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para
salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para
fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer,
quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a
vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação
estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente
esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A
chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda
um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortarlhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o
cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.
Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrouse enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera
evidentemente era fingida.
"Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma
sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo destehomem".
Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda
de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só,
sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os atos dele, graves e
leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas
da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula.
Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com
ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente:
— Fracalhona!
E voltando-se para o médico:
— Há de crer que quase desmaiou?
Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois
foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos,
tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de
terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e
olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram
jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico
indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a
algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o
amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os
vigiar.
Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse
a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até
deixar um bagaço de ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe;
amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custavalhe perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os
recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal.
Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole
do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho
baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a
uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de
febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe
perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima,
pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando
a si, viu que estava outra vez só.
De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a
morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos
pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que
repousasse um pouco.
— Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois.
Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo.
Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns
minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés
para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou
assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por
alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morteespiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que
Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da
amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, notese; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas
dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.
Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas
então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam
conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e
irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo
essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
FIM
Veja em formato pdf e com melhor formatação no site:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000262.pdf
GARCIA, EM PÉ, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de
balanço, olhava para o tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um
trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada.
Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o
casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os
três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de
contar a história sem rebuço.
Tinham falado também de outra cousa, além daquelas três, cousa tão feia
e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da
casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. Agora
mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há
no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em
verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender é
preciso remontar à origem da situação.
Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860,
estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato, pela primeira vez, à
porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão afigura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo
encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manoel. Uma de suas
raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa
rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de
quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até
aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali
Fortunato, e sentou-se ao pé dele.
A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e
remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances
dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um
personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça
reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas
Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi
pelo beco do Cotovelo, rua de S. José, até o largo da Carioca. Ia devagar,
cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que
dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No largo da Carioca entrou
num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou
para casa sem saber mais nada.
Decorreram algumas semanas. Uma noite, eram nove horas, estava em
casa, quando ouviu rumor de vozes na escada; desceu logo do sótão, onde
morava, ao primeiro andar, onde vivia um empregado do arsenal de guerra.
Era este que alguns homens conduziam, escada acima, ensangüentado. O
preto que o servia acudiu a abrir a porta; o homem gemia, as vozes eram
confusas, a luz pouca. Deposto o ferido na cama, Garcia disse que era
preciso chamar um médico.
— Já aí vem um, acudiu alguém.
Garcia olhou: era o próprio homem da Santa Casa e do teatro. Imaginou
que seria parente ou amigo do ferido; mas rejeitou a suposição, desde que
lhe ouvira perguntar se este tinha família ou pessoa próxima. Disse-lhe o
preto que não, e ele assumiu a direção do serviço, pediu às pessoas estranhas
que se retirassem, pagou aos carregadores, e deu as primeiras ordens.
Sabendo que o Garcia era vizinho e estudante de medicina pediu-lhe que
ficasse para ajudar o médico. Em seguida contou o
que se passara.
— Foi uma malta de capoeiras. Eu vinha do quartel de Moura, onde fui
visitar um primo, quando ouvi um barulho muito grande, e logo depois um
ajuntamento. Parece que eles feriram também a um sujeito que passava, e
que entrou por um daqueles becos; mas eu só vi a este senhor, que
atravessava a rua no momento em que um dos capoeiras, roçando por ele,
meteu-lhe o punhal. Não caiu logo; disse onde morava e, como era a dois
passos, achei melhor trazê-lo.
— Conhecia-o antes? perguntou Garcia.
— Não, nunca o vi. Quem é?
— É um bom homem, empregado no arsenal de guerra. Chama-se Gouvêa.
— Não sei quem é.
Médico e subdelegado vieram daí a pouco; fez-se o curativo, e tomaramse as informações. O desconhecido declarou chamar-se Fortunato Gomes daSilveira, ser capitalista, solteiro, morador em Catumbi. A ferida foi
reconhecida grave. Durante o curativo ajudado pelo estudante, Fortunato
serviu de criado, segurando a bacia, a vela, os panos, sem perturbar nada,
olhando friamente para o ferido, que gemia muito. No fim, entendeu-se
particularmente com o médico, acompanhou-o até o patamar da escada, e
reiterou ao subdelegado a declaração de estar pronto a auxiliar as pesquisas
da polícia. Os dous saíram, ele e o estudante ficaram no quarto.
Garcia estava atônito. Olhou para ele, viu-o sentar-se tranqüilamente,
estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças, e fitar os olhos no
ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a
expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba,
por baixo do queixo, e de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rara. Teria
quarenta anos. De quando em quando, voltava-se para o estudante, e
perguntava alguma coisa acerca do ferido; mas
tornava logo a olhar para ele, enquanto o rapaz lhe dava a resposta. A
sensação que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de
curiosidade; não podia negar que estava assistindo a um ato de rara
dedicação, e se era desinteressado como parecia, não havia mais que aceitar
o coração humano como um poço de mistérios.
Fortunato saiu pouco antes de uma hora; voltou nos dias seguintes, mas a
cura fez-se depressa, e, antes de concluída, desapareceu sem dizer ao
obsequiado onde morava. Foi o estudante que lhe deu as indicações do
nome, rua e número.
— Vou agradecer-lhe a esmola que me fez, logo que possa sair, disse o
convalescente.
Correu a Catumbi daí a seis dias. Fortunato recebeu-o constrangido, ouviu
impaciente as palavras de agradecimento, deu-lhe uma resposta enfastiada e
acabou batendo com as borlas do chambre no joelho. Gouvêa, defronte dele,
sentado e calado, alisava o chapéu com os dedos, levantando os olhos de
quando em quando, sem achar mais nada que dizer. No fim de dez minutos,
pediu licença para sair, e saiu.
— Cuidado com os capoeiras! disse-lhe o dono da casa, rindo-se.
O pobre-diabo saiu de lá mortificado, humilhado, mastigando a custo o
desdém, forcejando por esquecê-lo, explicá-lo ou perdoá-lo, para que no
coração só ficasse a memória do benefício; mas o esforço era vão. O
ressentimento, hóspede novo e exclusivo, entrou e pôs fora o benefício, de
tal modo que o desgraçado não teve mais que trepar à cabeça e refugiar-se
ali como uma simples idéia. Foi assim que o próprio benfeitor insinuou a
este homem o sentimento da ingratidão.
Tudo isso assombrou o Garcia. Este moço possuía, em gérmen, a
faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor da
análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas
morais, até apalpar o segredo de um organismo. Picado de curiosidade,
lembrou-se de ir ter com o homem de Catumbi, mas advertiu que nem
recebera dele o oferecimento formal da casa. Quando menos, era-lhe preciso
um pretexto, e não achou nenhum.
Tempos depois, estando já formado e morando na rua de Matacavalos,perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda
outras vezes, e a freqüência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato
convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi.
— Sabe que estou casado?
— Não sabia.
— Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco
domingo.
— Domingo?
— Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo.
Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e
boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele
não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as
outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se
não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco.
Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta,
airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não
passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre
eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade
moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam
o respeito e confinavam na resignação e no temor. Um dia, estando os três
juntos, perguntou Garcia a Maria Luísa se tivera notícia das circunstâncias
em que ele conhecera o marido.
— Não, respondeu a moça.
— Vai ouvir uma ação bonita.
— Não vale a pena, interrompeu Fortunato.
— A senhora vai ver se vale a pena, insistiu o médico.
Contou o caso da rua de D. Manoel. A moça ouviu-o espantada.
Insensivelmente estendeu a mão e apertou o pulso ao marido, risonha e
agradecida, como se acabasse de descobrir-lhe o coração. Fortunato sacudia
os ombros, mas não ouvia com indiferença. No fim contou ele próprio a
visita que o ferido lhe fez, com todos os pormenores da figura, dos gestos,
das palavras atadas, dos silêncios, em suma, um estúrdio. E ria muito ao
contá-la. Não era o riso da dobrez. A dobrez é evasiva e
oblíqua; o riso dele era jovial e franco.
" Singular homem!" pensou Garcia.
Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico
restituiu-lhe a satisfação anterior, voltando a referir a dedicação deste e as
suas raras qualidades de enfermeiro; tão bom enfermeiro, concluiu ele, que,
se algum dia fundar uma casa de saúde, irei convidá-lo.
— Valeu? perguntou Fortunato.
— Valeu o quê?
— Vamos fundar uma casa de saúde?
— Não valeu nada; estou brincando.
— Podia-se fazer alguma cousa; e para o senhor, que começa a clínica, acho
que seria bem bom. Tenho justamente uma casa que vai vagar, e serve.
Garcia recusou nesse e no dia seguinte; mas a idéia tinha-se metido na
cabeça ao outro, e não foi possível recuar mais. Na verdade, era uma boaestréia para ele, e podia vir a ser um bom negócio para ambos. Aceitou
finalmente, daí a dias, e foi uma desilusão para Maria Luísa. Criatura
nervosa e frágil, padecia só com a idéia de que o marido tivesse de viver em
contato com enfermidades humanas, mas não ousou opor-se-lhe, e curvou a
cabeça. O plano fez-se e cumpriu-se depressa. Verdade é que Fortunato não
curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio
administrador e chefe de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo,
compras e caldos, drogas e contas.
Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da rua D. Manoel
não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem.
Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não
conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a
qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia.
Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os
cáusticos.
— Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.
A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornouse familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a
vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que
lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o
agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao
canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso,
entrou-lhe o amor no coração. Quando deu
por ele, quis expeli-lo para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço
que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa
compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por
achada.
No começo de outubro deu-se um incidente que desvendou ainda mais aos
olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia
e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e
cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o
laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um
dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como
cousa sua, alcançasse do marido a
cessação de tais experiências.
— Mas a senhora mesma...
Maria Luísa acudiu, sorrindo:
— Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor,
como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz...
Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os
foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria
Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia
ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha
alguma coisa, ela respondeu que nada.
— Deixe ver o pulso.
— Não tenho nada.
Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, aocontrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar
o marido em tempo.
Dois dias depois, — exatamente o dia em que os vemos agora, — Garcia
foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele
caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa
saía aflita.
— Que é? perguntou-lhe.
— O rato! O rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.
Garcia lembrou-se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar-se de um
rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que
viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre
a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o
polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta
pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento
em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em
seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a
fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia
estacou horrorizado.
— Mate-o logo! disse-lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que
traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira
pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O
miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não
acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e
estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a
fazê-lo, porque o diabo do homem impunha
medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a
última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com
os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao
descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para
salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para
fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer,
quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a
vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação
estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente
esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A
chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda
um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortarlhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o
cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.
Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrouse enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera
evidentemente era fingida.
"Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma
sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo destehomem".
Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda
de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só,
sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os atos dele, graves e
leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas
da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula.
Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com
ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente:
— Fracalhona!
E voltando-se para o médico:
— Há de crer que quase desmaiou?
Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois
foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos,
tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de
terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e
olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram
jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico
indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a
algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o
amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os
vigiar.
Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse
a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até
deixar um bagaço de ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe;
amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custavalhe perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os
recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal.
Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole
do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho
baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a
uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de
febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe
perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima,
pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando
a si, viu que estava outra vez só.
De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a
morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos
pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que
repousasse um pouco.
— Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois.
Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo.
Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns
minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés
para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou
assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por
alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morteespiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que
Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da
amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, notese; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas
dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.
Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas
então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam
conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e
irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo
essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
FIM
Veja em formato pdf e com melhor formatação no site:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000262.pdf
Conto romântico: A DANÇA DOS OSSOS - Bernardo Guimarães
A DANÇA DOS OSSOS
BERNARDO GUIMARÃES
I
A noite, límpida e calma, tinha sucedido a uma tarde de pavorosa tormenta, nas profundas e vastas florestas que bordam as margens do Parnaíba, nos limites entre as províncias de Minas e de Goiás.
Eu viajava por esses lugares, e acabava de chegar ao porto, ou recebedoria, que há entre as duas províncias. Antes de entrar na mata, a tempestade tinha-me surpreendido nas vastas e risonhas campinas, que se estendem até a pequena cidade de Catalão, donde eu havia partido.
Seriam nove a dez horas da noite; junto a um fogo aceso defronte da porta da pequena casa da recebedoria, estava eu, com mais algumas pessoas, aquecendo os membros resfriados pelo terrível banho que a meu pesar tomara. A alguns passos de nós se desdobrava o largo veio do rio, refletindo em uma chispa retorcida, como uma serpente de fogo, o clarão avermelhado da fogueira. Por trás de nós estavam os cercados e as casinhas dos poucos habitantes desse lugar, e, por trás dessas casinhas, estendiam-se as florestas sem fim.
No meio do silêncio geral e profundo sobressaía o rugido monótono de uma cachoeira próxima, que ora estrugia como se estivesse a alguns passos de distância, ora quase se esvaecia em abafados murmúrios, conforme o correr da viração.
No sertão, ao cair da noite, todos tratam de dormir, como os passarinhos. As trevas e o silêncio são sagrados ao sono, que é o silêncio da alma.
Só o homem nas grandes cidades, o tigre nas florestas e o mocho nas ruínas, as estrelas no céu e o gênio na solidão do gabinete, costumam velar nessas horas que a natureza consagra ao repouso.
Entretanto, eu e meus companheiros, sem pertencermos a nenhuma dessas classes, por uma exceção de regra estávamos acordados a essas horas.
Meus companheiros eram bons e robustos caboclos, dessa raça semi-selvática e nômade, de origem dúbia entre o indígena e o africano, que vagueia pelas infindas florestas que correm ao longo do Parnaíba, e cujos nomes, decerto, não se acham inscritos nos assentos das freguesias e nem figuram nas estatísticas que dão ao império ... não sei quantos milhões de habitantes.
O mais velho deles, de nome Cirino, era o mestre da barca que dava passagem aos viandantes.
De bom grado eu o compararia a Caronte, barqueiro do Averno, se as ondas turbulentas e ruidosas do Parnaíba, que vão quebrando o silêncio dessas risonhas solidões cobertas da mais vigorosa e luxuriante vegetação, pudessem ser comparadas às águas silenciosas e letárgicas do Aqueronte.
— Meu amo decerto saiu hoje muito tarde da cidade, perguntou-me ele.
— Não, era apenas meio-dia. O que me atrasou foi o aguaceiro, que me pilhou em caminho. A chuva era tanta e tão forte o vento que meu cavalo quase não podia andar. Se não fosse isso, ao por do sol eu estava aqui.
— Então, quando entrou na mata, já era noite?...
— Oh!... se era!... já tinha anoitecido havia mais de uma hora.
— E Vm. não viu aí, no caminho, nada que o incomodasse?...
— Nada, Cirino, a não ser às vezes o mau caminho, e o frio, pois eu vinha ensopado da cabeça aos pés.
— Deveras, não viu nada, nada? é o primeiro!... pois hoje que dia é?...
— Hoje é sábado.
— Sábado!... que me diz? E eu, na mente que hoje era sexta-feira!... oh! Senhorinha!... eu tinha precisão de ir hoje ao campo buscar umas linhas que encomendei para meus anzóis, e não fui, porque esta minha gentinha de casa me disse que hoje era sexta-feira... e esta! E hoje, com esta chuva, era dia de pegar muito peixe... Oh! Senhorinha!... gritou o velho com mais força.
A este grito apareceu, saindo de um casebre vizinho, uma menina de oito a dez anos, fusca e bronzeada, quase nua, bocejando e esfregando os olhos; mas que me mostrava ser uma criaturinha esperta e viva como uma capivara.
— Então, senhorinha, como é que tu vais-me dizer que hoje era sexta-feira?... ah! cachorrinha! deixa-te estar, que amanhã tu me pagas... então hoje que dia é?...
— Eu também não sei, papai, foi a mamãe que me mandou que falasse que hoje era sexta...
— É o que tua mãe sabe ensinar-te; é a mentir!... deixa, que vocês outra vez não me enganam mais. Sai daqui: vai-te embora dormir, velhaquinha!
Depois que a menina, assim enxotada, se retirou, lançando um olhar cobiçoso sobre umas espigas de milho verde que os caboclos estavam a assar, o velho continuou:
— Veja o que são artes de mulher! A minha velha é muito ciumenta, e inventa todos os modos de não me deixar um passo fora daqui. Agora não me resta um só anzol com linha, o último lá se foi esta noite, na boca de um dourado; e, por culpa dessa gente, não tenho maneiras de ir matar um peixe para meu amo almoçar a amanhã!...
— Não te dê isso cuidado, Cirino; mas conta-me que te importava que hoje fosse sexta ou sábado, para ires ao campo buscar as tuas linhas?...
— O quê!... meu amo? Eu atravessar o caminho dessa mata em dia de sexta-feira?!... é mais fácil eu descer por esse rio abaixo em uma canoa sem remo!... não era à toa que eu estava perguntando se não lhe aconteceu nada no caminho.
— Mas o que há nesse caminho?... conta-me, eu não vi nada.
— Vm. não viu, daqui a obra de três quartos de légua, à mão direita de quem vem, um meio claro na beirada do caminho, e uma cova meio aberta com uma cruz de pau?
— Não reparei; mas sei que há por aí uma sepultura de que se contam muitas histórias.
— Pois muito bem! Aí nessa cova é que foi enterrado o defunto Joaquim Paulista. Mas é a alma dele só que mora aí: o corpo mesmo, esse anda espatifado aí por essas matas, que ninguém mais sabe dele.
— Ora valha-te Deus, Cirino! Não te posso entender. Até aqui eu acreditava que, quando se morre, o corpo vai para a sepultura, e a alma para o céu, ou para o inferno, conforme as suas boas ou más obras. Mas, com o teu defunto, vejo agora, pela primeira vez, que se trocaram os papéis: a alma fica enterrada e o corpo vai passear.
— Vm. não quer acreditar!... pois é coisa sabida aqui, em toda esta redondeza, que os ossos de Joaquim paulista não estão dentro dessa cova e que só vão lá nas sextas-feiras para assombrar os viventes; e desgraçado daquele que passar aí em noite de sexta-feira!...
— Que acontece?...
— Aconteceu o que já me aconteceu, como vou lhe contar.
II
Um dia, há de haver coisa de dez anos, eu tinha ido ao campo, à casa de um meu compadre que nora da aqui a três léguas.
Era uma sexta-feira, ainda me lembro, como se fosse hoje.
Quando montei no meu burro para vir-me embora, já o sol estava baixinho; quando cheguei na mata, já estava escuro; fazia um luar manhoso, que ainda atrapalhava mais a vista da gente.
Já eu ia entrando na mata, quando me lembrei que era sexta-feira. Meu coração deu uma pancada e a modo que estava me pedindo que não fosse para diante. Mas fiquei com vergonha de voltar. Pois um homem, já de idade como eu, que desde criança estou acostumado a varar por esses matos a toda hora do dia ou da noite, hei de agora ter medo? De quê?
Encomendei-me de todo o coração à Nossa Senhora da Abadia, tomei um bom trago na guampa que trazia sortida na garupa, joguei uma masca de fumo na boca, e toquei o burro para diante. Fui andando, mas sempre cismado; todas as histórias que eu tinha ouvido contar da cova de Joaquim Paulista estavam-se-me representando na idéia: e ainda, por meus pecados, o diabo do burro não sei o que tinha nas tripas que estava a refugar e a passarinhar numa toada.
Mas, a poder de esporas, sempre vim varando. À proporção que ia chegando perto do lugar onde está a sepultura, meu coração ia ficando pequenino. Tomei mais um trago, rezei o Creio em Deus Padre, e toquei para diante. No momento mesmo em que eu ia passar pela sepultura, que eu queria passar de galope e voando se fosse possível, aí é que o diabo do burro dos meus pecados empaca de uma vez, que não houve força de esporas que o fizesse mover.
Eu já estava decidido a me apear, largar no meio do caminho burro com sela e tudo, e correr para a casa; mas não tive tempo. O que eu vi, talvez Vm. não acredite; mas eu vi como estou vendo este fogo: vi com estes olhos, que a terra há de comer, como comeu os do pobre Joaquim Paulista... mas os dele nem foi a terra que comeu, coitado! Foram os urubus, e os bichos do mato. Dessa feita acabei de acreditar que ninguém morre de medo; se morresse, eu lá estaria até hoje fazendo companhia ao Joaquim Paulista. Cruz!... Ave Maria!...
Aqui o velho fincou os cotovelos nos nós joelhos, escondeu a cabeça entre as mãos e pareceu-me que resmungou uma Ave-Maria. Depois, acendeu o cachimbo, e continuou:
— Vm. se reparasse, havia de ver que o mato faz uma pequena aberta da banda, em que está a sepultura do Joaquim Paulista.
A lua batia de chapa na areia branca do meio da estrada. Enquanto eu estou esporeando com toda a força a barriga do burro, salta lá, no meio do caminho, uma cambada de ossinhos brancos, pulando, esbarrando uns nos outros, e estalando numa toada certa, como gente que está dançando ao toque de viola. Depois, de todos os lados, vieram vindo outros ossos maiores, saltando e dançando da mesma maneira.
Por fim de contas, veio vindo lá, de dentro da sepultura, uma caveira branca como papel, e com os olhos de fogo; e dando pulos como sapo, foi-se chegando para o meio da roda. Dai começaram aqueles ossos todos a dançar em roda da caveira, que estava quieta no meio, dando de vez em quando pulos no ar, e caindo no mesmo lugar, enquanto os ossos giravam num corrupio, estalando uns nos outros, como fogo da queimada, quando pega forte num sapezal.
Eu bem queria fugir, mas não podia; meu corpo estava como estátua, meus olhos estavam pregados naquela dança dos ossos, como sapo quando enxerga cobra; meu cabelo, enroscado como Vm. está vendo, ficou em pé como espetos.
Daí a pouco os ossinhos mais miúdos, dançando, dançando sempre e batendo uns nos outros, foram-se ajuntando e formando dois pés de defunto.
Estes pés não ficam quietos, não; e começam a sapatear com os outros ossos numa roda viva. Agora são os ossos das canelas, que lá vêm saltando atrás dos pés, e de um pulo, trás!... se encaixaram em cima dos pés. Daí a um nada vêm os ossos das coxas, dançando em roda das canelas, até que, também de um pulo, foram-se encaixar direitinho nas juntas dos joelhos. Toca agora as duas pernas que já estão prontas a dançar com os outros ossos.
Os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos esses ossos que ainda agora saltavam espalhados no caminho, a dançar, a dançar, foram pouco a pouco se ajuntando e embutindo uns nos outros, até que o esqueleto se apresentou inteiro, faltando só a cabeça. Pensei que nada mais teria que ver; mas ainda me faltava o mais feio. O esqueleto pega na caveira e começa a fazê-la rolar pela estrada, e a fazer mil artes e piruetas; depois entra a jogar peteca com ela, e a atirá-la pelos ares mais alto, mais alto, até o ponto de fazê-la sumir-se lá pelas nuvens; a caveira gemia zunindo pelos ares, e vinha estalar nos ossos da mão do esqueleto, como uma espoleta que rebenta. Afinal o esqueleto escanchou as pernas e os braços, tomando toda a largura do caminho, e esperou a cabeça, que veio cair direito no meio dos ombros, como uma cabaça oca que se rebenta em uma pedra, e olhando para mim com os olhos de fogo!...
Ah! meu amo!... Eu não sei o que era feito de mim!... Eu estava sem fôlego, com a boca aberta querendo gritar e sem poder, com os cabelos espetados; meu coração não batia, meus olhos não pestanejavam. O meu burro mesmo estava tremer e encolhia-se todo, como quem queria sumir-se debaixo da terra. Oh! se eu pudesse..fugir naquela hora, eu fugia ainda que tivesse de entrar pela goela de uma sucuri adentro.
Mas ainda não contei tudo. O maldito esqueleto do inferno — Deus me perdoe! — não tendo mais nem um ossinho com quem dançar, assentou de divertir-se comigo, que ali estava sem pingo de sangue, e mais morto do que vivo, e começa a' dançar defronte de mim, como essas figurinhas de papelão que as crianças, com uma cordinha, fazem dar de mão e de pernas; vai-se chegando cada vez mais para perto, dá três voltas em roda de mim, dançando e estalando as ossadas; e por fim de contas, de um pulo, encaixa-se na minha garupa...
Eu não vi mais nada depois; fiquei atordoado. Pareceu-me que o burro saiu comigo e como maldito fantasma, zunindo pelos ares, e nos arrebatava por cima das mais altas árvores.
Valha-me Nossa Senhora da Abadia e todos os santos da corte celeste! gritava eu dentro do coração, porque a boca essa nem podia piar. Era à toa; desacorçoei, e pensando que ia por esses ares nas unhas de Satanás, esperava a cada instante ir estourar nos infernos. Meus olhos se cobriam de uma nuvem de fogo, minha cabeça andar a roda, e não sei mais o que foi feito de mim.
Quando dei acordo de mim, foi no outro dia, na minha cama, a sol alto. Quando a minha velha, de manhã cedo, foi abrir a porta, me encontrou no terreiro, estendido no chão, desacordado, e o burro selado perto de mim.
A porteira da manga estava fechada; como é que esse burro pôde entrar comigo para dentro, e que não sei. Portanto ninguém me tira da cabeça que o burro veio comigo pelos ares.
Acordei como o corpo todo moído, e com os miolos pesando como se fossem de chumbo, e sempre com aquele maldito estalar de ossos nos ouvidos, que me perseguiu por mais de um mês.
Mandei dizer duas missas pela alma de Joaquim Paulista, e jurei que nunca mais havia de pôr meus pés fora de casa em dia de sexta-feira.
III
O velho barqueiro contava esta tremenda história de modo mais tosco, porém muito mais vivo do que eu acabo de escrevê-lo, e acompanhava a narração de uma gesticulação selvática e expressiva e de sons imitativos que não podem ser representados por sinais escritos. A hora avançada, o silêncio e solidão daqueles sítios, teatro desses assombrosos acontecimentos, contribuíram também grandemente para torná-los quase visíveis e palpáveis. Os caboclos, de boca aberta, o escutavam como olhos e ouvidos transidos de pavor, e de vez em quando, estremecendo, olhavam em derredor pela mata, como que receando ver surgir o temível esqueleto a empolgar e levar pelos ares alguns deles.
— Com efeito, Cirino! disse-lhe eu, foste vítima da mais pavorosa assombração de que ha exemplo, desde que andam por este mundo as almas do outro. Mas quem sabe se não foi a força do medo que te fez ver tudo isso? Além disso, tinhas ido muitas vezes à guampa, e talvez ficasse com a vista turva e a cabeça um tanto desarranjada.
— Mas, meu amo, não era a primeira vez que eu tomava o meu gole, nem que andava de noite por esses matos, e como é que eu nunca vi ossos de gente dançando no meio do caminho?
— Os teus miolos é que estavam dançando, Cirino; disso estou eu certo. Tua imaginação, exaltada a um tempo pelo medo e pelos repetidos beijos que davas na tua guampa, é que te fez ir voando pelos ares nas garras de Satanás. Escuta; vou te explicar como tudo isso te aconteceu muito naturalmente. Como tu mesmo disseste, entraste na mata com bastante medo, e, portanto, disposto a transformar em coisas do outro mundo tudo quanto confusamente vias no meio de uma floresta frouxamente alumiada por um luar escasso. Acontece ainda para teu mal que, no momento mais crítico, quando ias passando pela sepultura, empaca-te o maldito burro. Faço idéia de como ficaria essa pobre alma, e até me admiro de que não visses coisas piores!
— Mas então que diabo eram aqueles ossos a dançarem, dançarem tão certo, como se fosse a toque de música,- e aquele esqueleto branco, que trepou na garupa, e me levou por esses ares?
—Eu te digo. Os ossinhos que dançavam, não eram mais do que os raios da lua, que vinham peneirados por entre os ramos dos arvoredos balançados pela viração, brincar e dançar na areia branca do caminho. Os estalos, que ouvias, eram sem dúvida de alguns porcos do mato, ou qualquer outro qualquer bicho, que andavam ali por perto a quebrar nos dentes cocos de baguassu, o que, como bem sabes, faz uma estralada dos diabos.
—E a caveira, meu amo?... de certo era alguma cabaça velha que um rato do campo vinha rolando pela estrada...
—Não era preciso tanto; uma grande folha seca, uma pedra, um toco, tudo te podia parecer uma caveira naquela ocasião.
Tudo isto te fez andar à roda a cabeça azoinada, e o mais tudo que viste foi obra de tua imaginação e de teus sentidos perturbados. Depois, qualquer coisa, talvez um maribondo que o picou.
— Maribondo de noite!... ora, meu amo!... exclamou o velho com uma gargalhada.
—Pois bem!... fosse o que fosse; qualquer outra coisa ou capricho de burro, o certo é que o teu macho saiu contigo aos corcovos; ainda que atordoado, o instinto da conservação fez que te agarrasses bem à sela, e tiveste a felicidade de vir dar contigo em terra mesmo à porta de tua casa, e eis aí tudo.
O velho barqueiro ria com a melhor vontade, zombando de minhas explicações.
— Qual, meu amo, disse ele, réstea de luar não tem parecença nenhuma com osso de defunto, e bicho do mato, de noite, está dormindo na toca, e não anda roendo coco.
E pode Vm. ficar certo de que, quando eu tomo um gole, ali é que minha vista fica mais limpa e o ouvido mais afiado.
— É verdade, e, a tal ponto, que até chegas a ver e ouvir o que não existe.
— Meu amo tem razão; eu também, quando era moço, não acreditava em nada disso por mais que me jurassem. Foi-me preciso ver para crer; e Deus o livre a Vm. de ver o que eu já vi.
—Eu já vi, Girino; já vi, mas nem assim acreditei.
—Como assim, meu amo?...
—É que nesses casos eu não acredito nem nos meus próprios olhos, senão depois de estar bem convencido, por todos os modos, de que eles não enganam.
Eu te conto um caso que me aconteceu.
Eu ia viajando sozinho — por onde não importa — de noite, por um caminho estreito, em cerradão fechado, e vejo ir, andando a alguma distância diante de mim, qualquer coisa, que na escuridão não pude distinguir. Aperto um pouco o passo para reconhecer o que era, e vi clara e perfeitamente dois pretos carregando um defunto dentro de uma rede.
Bem poderia ser também qualquer criatura viva, que estivesse doente ou mesmo em perfeita saúde; mas, nessas ocasiões, a imaginação, não sei por quê, não nos representa senão defuntos. Uma aparição daquelas, em lugar tão ermo e longe de povoação, não deixou de me causar terror.
Contudo o caso não era extraordinário; carregar um cadáver em rede, para ir sepultá-lo em algum cemitério vizinho, é coisa que se vê muito nesses sertões, ainda que àquelas horas o negócio não deixasse de tornar bastante suspeito.
Piquei o cavalo para passar adiante daquela sinistra visão que me estava incomodando o espirito, mas os condutores da rede também apressaram o passo, e se conservavam sempre na mesma distância.
Pus o cavalo a trote; os pretos começaram também a correr com a rede. O negócio ia-se tornando mais feio. Retardei o passo para deixá-los adiantarem-se: também foram indo mais devagar. Parei; também pararam. De novo marchei para eles; também se puseram a caminho.
Assim andei por mais de meia hora, cada vez mais aterrado, tendo sempre diante dos olhos aquela sinistra aparição que parecia apostada em não me querer deixar, até que, exasperado, gritei-lhes que me deixassem passar ou ficar atrás, que eu não estava disposto a fazer-lhes companhia. Nada de resposta!... o meu terror subiu de ponto, e confesso que estive por um nada a dar de rédea para trás a bom fugir.
Mas negócios urgentes me chamavam para diante: revesti-me de um pouco de coragem que ainda me restava, cravei as esporas no cavalo e investi para o sinistro vulto a todo galope. Em poucos instantes o alcancei de perto e vi... adivinhem o que era?... nem que dêem volta ao miolo um ano inteiro, não são capazes de atinar com o que era. Pois era uma vaca!...
— Uma vaca!... como!...
— Sim, senhores, uma vaca malhada, que tinha a barriga toda branca — era a rede, — e os quartos traseiros e dianteiros inteiramente pretos; era os dois negros que a carregavam. Pilhada por mim naquela caminho estreito, sem poder desviar nem para uma banda nem para outra, porque o mato era um cerradão tapado o pobre animal ia fugindo diante de mim, se eu parava, também parava, porque não tinha necessidade de viajar; se eu apertava o passo lá ia ela também para diante, fugindo de mim. Entretanto se eu não fosse reconhecer de perto o que era aquilo, ainda hoje havia de jurar que tinha visto naquela noite dois pretos carregando um defunto em uma rede, tão completa era a ilusão. E depois se quisesse indagar mais do negócio, como era natural, sabendo que nenhum cadáver se tinha enterrado em toda aquela redondeza, havia de ficar acreditando de duas uma: ou que aquilo era coisa do outro mundo, ou, o que era mais natural, que algum assassinato horrível e misterioso tinha sido cometido por aquelas criaturas.
A minha história nem de leve abalou as crenças do velho barqueiro que abanou a cabeça, e disse-me, chasqueando:
— A sua história está muito bonita; mas, perdoe que lhe diga, eu por mais escuro que estivesse a noite e por mais que eu tivesse entrado no gole, não podia ver uma rede onde havia uma vaca; só pelo faro eu conhecia. Meu amo decerto tinha poeira nos olhos.
Mas vamos que Vm., quando investiu para os vultos, em vez de esbarrar com uma vaca, topasse mesmo uma rede carregando um defunto, que este defunto saltando fora da rede lhe lhe pulasse na garupa e o levasse pelos ares com cavalo e tudo, de modo que Vm., não desse acordo de si, senão no outro dia em sua casa e sem saber como?... havia de pensar, ainda, que que eram abusões? — Esse não era o meu medo: o que eu temia, era que aqueles negros acabassem ali comigo, e, em vez de um, carregassem na mesma rede dois defuntos para a mesma cova!
O que dizes era impossível.
—Esse não era o meu medo: o que eu temia, era que aqueles negros acabassem ali comigo, e, em vez de um, carregassem na mesma rêde dois defuntos para a mesma cova!
O que dizes era impossível.
—Impossível!... e como é que me aconteceu?... Se não fosse tão tarde, para Vm. acabar de crer, eu lhe contava por que motivo a sepultura de Joaquim Paulista ficou sendo assim mal-assombrada. Mas meu amo viajou; há de estar cansado da jornada e com sono.
—Qual sono!... conta-me; vamos a isso. Pois vá escutando.
IV
O tal Joaquim Paulista era um cabo do destacamento que naquele tempo havia aqui no Porto. Era bom rapaz e ninguém tinha queixa dele.
Havia aqui, também, por este tempo, uma rapariga, por nome Carolina, que era o desassossego de toda a rapaziada.
Era uma caboclinha escura, mas bonita e sacudida, como ela aqui ainda não pisou outra; com uma viola na mão, a rapariga tocava e cantava que dava gosto; quando saia para o meio de uma sala, tudo ficava de queixo caído; a rapariga sabia fazer requebrados e sapateados, que era um feitiço. Em casa dela, que era um ranchinho ali da outra banda, era súcias todos os dias; também todos os dias havia solados de castigo por amor de barulhos e desordens.
Joaquim Paulista tinha uma paixão louca pela Carolina; mas ela anda de amizade com um outro camarada, de nome Timóteo, que a tinha traz do de Goiás, ao qual queria muito bem. Vai um dia, não sei que diabo de dúvida tiveram os dois, que a Carolina se desapartou do Timóteo e fugiu para a casa, de uma amiga, aqui no campo Joaquim Paulista, que há muito tempo bebia os ares por ela, achou que a ocasião era boa, e tais artes armou, tais agrados fez à rapariga, que tomou conta dela. Ali! pobre rapaz!... se ele adivinhasse nem nunca teria olhado para aquela rapariga. O Timóteo, quando soube do caso, urrou de raiva e de ciúme; ele estava esperando que, passados os primeiros arrufos da briga, ela o viria procurar se ele não fosse buscá-la, como já de outras vezes tinha acontecido. Mas desta vez tinha-se enganado.
A rapariga estava por tal sorte embeiçada com o Joaquim Paulista, que de modo nenhum quis saber do outro, por mais que esse rogasse, teimasse, chorasse e ameaçasse mesmo de matar uma ou outro. O Timóteo desenganou-se, mas ficou calado e guardou seu ódio no coração.
Estava esperando uma ocasião.
Assim passaram-se meses, sem que houvesse novidade. O Timóteo vivia em muito boa paz com o Joaquim Paulista, que, tendo muito bom coração, nem de leve cismava que seu camarada lhe guardasse ódio.
Um dia, porém, Joaquim Paulista teve ordem do comandante do destacamento para marchar para a cidade de Goiás. Carolina, que era capaz do dar a vida por ele, jurou que havia de acompanhá-lo. O Timóteo danou. Viu que não era possível guardar para mais tarde o cumprimento de sua tenção danada, jurou que ele havia de acabar desgraçado, mas que Joaquim Paulista e Carolina não haviam de ir viver sossegados longe dele, e assim combinou, com outro camarada, tão bom ou pior do que ele, para dar cabo do pobre rapaz.
Nas vésperas da partida, os dois convidaram ao Joaquim para irem ao mato caçar. Joaquim Paulista, que não maliciava nada, aceitou o convite, e no outro dia, de manhã, saíram os três a caçar pelo mato. Só voltaram no outro dia de manhã, mais dois somente; Joaquim Paulista, esse tinha ficado, Deus sabe aonde.
Vieram contando, com lágrimas nos olhos, que uma cascavel tinha mordido Joaquim Paulista em duas partes, e que o pobre rapaz, sem que eles pudessem valer-lhe, em poucas horas tinha expirado, no meio do mato; que não podendo carregar o corpo, porque era muito longe, e temendo que o não pudessem encontrar mais, e que os bichos o comessem, o tinham enterrado lá mesmo; e, para prova disso, mostravam a camisa do desgraçado, toda manchada de sangue preto envenenado.
Mentira tudo!... O caso foi este, como depois se soube.
Quando os dois malvados já estavam bem longe por essa mata abaixo, deitaram a mão no Joaquim Paulista, o agarraram, e amarraram em uma árvore. Enquanto estavam nesta lida, o coitado do rapaz, que não podia resistir àqueles dois ursos, pedia por quantos santos há que não judiassem com ele, que não sabia que mal tinha feito a seus camaradas, que se era por causa da Carolina ele jurava nunca mais pôr os olhos nela, e iria embora para Goiás, sem ao menos dizer-lhe adeus. Era à toa. Os dois malvados nem ao menos lhe davam resposta.
O camarada de Timóteo era mandigueiro e curado de cobra, pegava ai no mais grosso jaracussu ou cascavel, as enrolava no braço, no pescoço, metia a cabeça, delas dentro da boca, brincava e judiava com elas de toda a maneira, sem que lhe fizessem mal algum. Na hora em que ele enxergava uma cobra, bastava pregar os olhos nela, a cobra não se mexia do lugar. Em cima de tudo, o diabo do soldado sabia um assovio com que chamava cobra, quando queria.
A hora que ele dava esse assovio, se havia por ali perto alguma cobra, havia de aparecer por força. Dizem que ele tinha parte com o diabo, e todo mundo tinha medo dele como do próprio capeta.
Depois que amarraram bem amarrado o pobre Joaquim Paulista, o camarada do Timóteo desceu pelas furnas de uns grotões abaixo, e andou - por lá muito tempo, assoviando o tal assovio que ele conhecia. O Timóteo ficou de sentinela ao Joaquim Paulista, que estava caladinho, coitado encomendando sua alma a Deus. Quando o soldado voltou, trazia em cada uma das ma os, apertado pela garganta, uma cascavel mais grossa do que esta minha perna. Os bichos desesperados batiam e se enrolavam pelo corpo do soldado, que nessa hora devia estar medonho que nem o diabo.
Então Joaquim Paulista compreendeu que qualidade de morte lhe iam dar aqueles dois desalmados. Pediu, rogou, mas debalde, que, se queriam matá-lo, pregassem-lhe uma bala na cabeça, ou enterrassem-lhe uma faca no coração por piedade, mas não o fizeram morrer de um modo tão cruel.
— Isso querias tu, disse o soldado, para nós irmos para à forca! nada! estas duas meninas é que hão de carregar com a culpa de tua morte; para isso é que fui buscá-las; nós não somos carrascos.
— Joaquim, disse o Timóteo, faze teu ato de contrição e deixa-te de histórias.
— Não tenhas medo, rapaz!... continua o outro. Estas meninas são muito boazinhas; olha como elas estão me abraçando!.. Faze de conta que são os dois braços da Carolina, que vão te apertar num gostoso abraço...
Aqui o Joaquim põe-se a gritar com quanto força tinha, a ver se alguém, acaso, podia ouvi-lo e acudir-lhe. Mas, sem perder tempo, o Timóteo pega num lenço e atocha-lhe na boca; mais que depressa o outro atira-lhe por cima os dois bichos, que no mesmo instante o picaram por todo o corpo. Imediatamente mataram as duas cobras, antes que fugissem. Não levou muito tempo, o pobre rapaz estrebuchava, dando gemidos de cortar o coração, e deitava sangue pelo nariz, pelos ouvidos e por todo o corpo.
Quando viram que o Joaquim já quase não podia falar, nem mover-se, e que não tardava a dar o último suspiro, desamarraram-no, tiraram-lhe a camisa, e o deixaram ai perto das duas cobras mortas.
Saíram e andaram todo o dia, dando voltas pelo campo.
Quando foi anoitecendo, embocaram pela estrada da mata, e vieram descendo para o porto. Teriam andado obra de uma légua, quando enxergaram um vulto, que ia andando adiante deles, devagarinho, encostado num pau e gemendo.
— É' ele, disse um deles espantado; não pode ser outro.
— Ele!... é impossível... só por um milagre.
— Pois eu juro em como não é outro, e nesse caso toca a dar cabo dele já.
— Que dúvida!
Nisto adiantaram-se e alcançaram o vulto
Era o próprio Joaquim Paulista!
Sem mais demora- socaram-lhe a faca no coração, e deram-lhe cabo dele. — Agora como há de ser?, diz um deles não há remédio senão fugir, senão estamos perdidos...
— Qual fugir! o comandante talvez não cisme nada; e no caso que haja alguma cousa, estas cadeiazinhas desta terra são nada para mim?... Portanto vai tu escondido, lá embaixo no porto, e traz uma enxada; enterremos o corpo ai no mato; e depois diremos que morreu picado de cobra.
Isto dizia o Timóteo, que, com o sentido na Carolina, não queria perder o fruto do sangue que derramou.
Com efeito assim fizeram; levaram toda a noite a abrir a sepultura para o corpo, no meio do mato, de uma banda do caminho que, nesse tempo, não era por ai, passava mais arredado. Por isso não chegaram, senão no outro dia de manhã.
— Mas, Cirino, como é que Joaquim pôde escapar das mordeduras das cobras, e como se veio a saber de tudo isso?...
— Eu já lhe conto, disse o velho.
E depois de fazer uma pausa para acender o cachimbo, continuou:
— Deus não queria que o crime daqueles amaldiçoados ficasse escondido. Quando os dois soldados deixaram por morto o Joaquim Paulista, andava por aquelas alturas um caboclo velho, cortando palmitos. Aconteceu que, passando por ai não muito longe, ouvi voz de gente, e veio vindo com cautela a ver o que era: quando chegou a descobrir o que se estava passando, frio e tremendo de susto, o pobre velho ficou espiando de longe, bem escondido numa mota, e viu tudo, desde a hora em que o soldado veio da furna com as cobras na mão. Se aqueles malditos o tivessem visto ali, tinham dado cabo dele também.
— Quando os dois se foram embora, então o caboclo, com muito cuidado, saiu da moita, e veio ver o pobre rapaz, que estava morre não morre!... O velho era mesinheiro muito mestre, e benzedor, que tinha fama em toda a redondeza.
Depois que olhou bem o rapaz, que já com a língua perra não podia falar, e já estava cego, andou catando pelo mato umas folhas que ele lá conhecia, mascou-as bem, cuspiu a saliva nas feridas do rapaz, e depois benzeu bem benzidas elas todas, uma por uma.
Quando foi daí a uma hora, já o rapaz estava mais aliviado, e foi ficando cada vez a melhor, até que, enfim, pôde ficar em pé, já enxergando alguma cousa.
Quando se podendo andar um pouco, o caboclo cortou um pau, botou na mão dele, e veio com ele, muito devagar, ajudando-o a caminhar até que, a muito custo, chegaram na estrada.
Ai o velho disse:
— Agora você esta na estrada, pode ir indo sozinho com seu vagar, que daqui a nada você está em casa.
Amanhã, querendo Deus, eu lá vou vê-lo outra vez. Adeus, camarada; Nossa Senhora te acompanhe.
O bom velho mal pensava, que, fazendo aquela obra de caridade, ia entregar outra vez à morte aquele infeliz a quem acaba de dar a vida. Um quarto de hora, aos que se demorasse, Joaquim Paulista estava escapo. Mas o que tinha de acontecer estava escrito lá em cima.
Não bastava ao coitado do Joaquim Paulista ter sido tão infeliz em vida, a infelicidade o perseguiu até depois de morto.
O comandante do destacamento, que não era nenhum samora, desconfiou do caso. Mandou prender os dois soldados, e deu parte na vila ao juiz, que daí a dois dias veio com o escrivão para mandar desenterrar o corpo. Vamos agora saber onde é que ele estava enterrado. Os dois soldados, que eram os únicos que podiam saber, andavam guiando a gente para uns rumos muito diferentes, e como nada se achava, fingiam que tinham perdido o lugar.
Bateu-se mato um dia inteiro sem se achar nada.
Afinal de contas os urubus é que vieram mostrar onde estava a sepultura. Os dois soldados tinha enterrado mal o corpo. Os urubus pressentiram o fétido da carniça e vieram-se ajuntar nas árvores em redor. Desenterrou-se o corpo, e via-se então uma grande facada no peito, do lado esquerdo. O corpo já estava apodrecendo e com muito mau cheiro. Os que o foram enterrar de novo, aflitos por se verem livres daquela fedentina, mal apenas jogaram à pressa alguns punhados de terra na cova, e deixaram o corpo ainda mais mal enterrado do que estava.
Vieram depois os porcos, os tatus, e outros bichos, cavoucaram a cova, espatifaram o cadáver, e andar espalhando os ossos do defunto ai por toda essa mata.
Só a cabeça é que dizem que ficou na sepultura.
Uma alma caridosa, que um dia encontrou um braço do defunto no meio da estrada, levou-o para a sepultura, encheu a cova da terra, socou bem, e fincou ai uma cruz. Foi tempo perdido; no outro dia a cova estava aberta tal qual como estava dantes. Ainda outras pessoas depois teimavam em ajuntar os ossos e enterrá-los bem. Mas no outro dia a cova estava aberta, assim como até hoje está.
Diz o povo que enquanto não se ajuntar na sepultura até o último ossinho do corpo de Joaquim Paulista, essa cova não se fecha. Se é assim, já se sabe que tem de ficar aberta para sempre. Quem é que há de achar esses ossos que, levados pelas enxurradas, já lá foram talvez rodando por esse Parnaíba abaixo?
Outros dizem que, enquanto os matadores de Joaquim Paulista estivessem vivos neste mundo, a sua sepultura havia de andar sempre aberta, nunca os seus ossos teriam sossego, e haviam de andar sempre assombrando os viventes cá neste mundo.
Mas esses dois malvados já há de muito tempo foram dar contas ao diabo do que andavam fazendo por este mundo, e a cousa continua na mesma.
O antigo camarada da Carolina, esse morreu no caminho de Goiás; a escolta que o levava, para cumprir sentença de galés por toda a vida, com medo que ele fugisse, pois o rapaz tinha artes do diabo, assentou de acabar com ele; depois contaram uma história de resistência, e não tiveram nada.
O outro, que era currado de cobra, tinha fugido; mas como ganhava a vida brincando com cobras e matava gente com elas, veio também a morrer na boca de uma delas.
Um dia em que estava brincando com um grande urutu preto, à vista de muita gente que estava a olhar de queixo caído, a bicha perdeu-lhe o respeito, e em tal parte e em tão má hora lhe deu um bote, que o maldito caiu logo estrebuchando, e em poucos instantes deu a alma ao diabo. Deus me perdoe, mas aquela fera não podia ir para o céu. O povo não quis por maneira nenhuma que ele fosse enterrado no sagrado, e mandou atirar o corpo no campo para os urubus.
Enfim eu fui à vila pedir ao vigário velho, que era o defunto padre Carmelo, para vir bendizer a sepultura de Joaquim Paulista, e tirar dela essa assombração que aterra todo este povo. Mas o vigário disse que isso não valia de nada; que enquanto não se dissessem pela alma do defunto tantas missas quantos ossos tinha ele no corpo, contando dedos, unhas, dentes e tudo, nem os ossos teriam sossego, nem a assombração acabaria, nem a cova se havia de fechar nunca.
Mas se os povos quisessem, e aprontassem as esmolas, que ele dizia as missas, e tudo ficaria acabado. Agora que há de contar quantos ossos a gente tem no corpo, e quando é que esses moradores, que não são todos pobres como eu, hão de aprontar dinheiro para dizer tanta missa?...
Portanto já se vê, meu amo, que o que lhe contei não é nenhum abusão; é cousa certa e sabida em toda esta redondeza. Todo esse povo ai está que não me há de deixar ficar mentiroso.
À vista de tão valentes provas, dei pleno crédito a tudo quanto o barqueiro me contou, e espero que a meus leitores acreditarão comigo, piamente, que o velho barqueiro do Parnaíba, uma bela noite, andou pelos ares montado em um burro, com um esqueleto na garupa.
Fim
Leia em pdf no site: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/12.pdf
BERNARDO GUIMARÃES
I
A noite, límpida e calma, tinha sucedido a uma tarde de pavorosa tormenta, nas profundas e vastas florestas que bordam as margens do Parnaíba, nos limites entre as províncias de Minas e de Goiás.
Eu viajava por esses lugares, e acabava de chegar ao porto, ou recebedoria, que há entre as duas províncias. Antes de entrar na mata, a tempestade tinha-me surpreendido nas vastas e risonhas campinas, que se estendem até a pequena cidade de Catalão, donde eu havia partido.
Seriam nove a dez horas da noite; junto a um fogo aceso defronte da porta da pequena casa da recebedoria, estava eu, com mais algumas pessoas, aquecendo os membros resfriados pelo terrível banho que a meu pesar tomara. A alguns passos de nós se desdobrava o largo veio do rio, refletindo em uma chispa retorcida, como uma serpente de fogo, o clarão avermelhado da fogueira. Por trás de nós estavam os cercados e as casinhas dos poucos habitantes desse lugar, e, por trás dessas casinhas, estendiam-se as florestas sem fim.
No meio do silêncio geral e profundo sobressaía o rugido monótono de uma cachoeira próxima, que ora estrugia como se estivesse a alguns passos de distância, ora quase se esvaecia em abafados murmúrios, conforme o correr da viração.
No sertão, ao cair da noite, todos tratam de dormir, como os passarinhos. As trevas e o silêncio são sagrados ao sono, que é o silêncio da alma.
Só o homem nas grandes cidades, o tigre nas florestas e o mocho nas ruínas, as estrelas no céu e o gênio na solidão do gabinete, costumam velar nessas horas que a natureza consagra ao repouso.
Entretanto, eu e meus companheiros, sem pertencermos a nenhuma dessas classes, por uma exceção de regra estávamos acordados a essas horas.
Meus companheiros eram bons e robustos caboclos, dessa raça semi-selvática e nômade, de origem dúbia entre o indígena e o africano, que vagueia pelas infindas florestas que correm ao longo do Parnaíba, e cujos nomes, decerto, não se acham inscritos nos assentos das freguesias e nem figuram nas estatísticas que dão ao império ... não sei quantos milhões de habitantes.
O mais velho deles, de nome Cirino, era o mestre da barca que dava passagem aos viandantes.
De bom grado eu o compararia a Caronte, barqueiro do Averno, se as ondas turbulentas e ruidosas do Parnaíba, que vão quebrando o silêncio dessas risonhas solidões cobertas da mais vigorosa e luxuriante vegetação, pudessem ser comparadas às águas silenciosas e letárgicas do Aqueronte.
— Meu amo decerto saiu hoje muito tarde da cidade, perguntou-me ele.
— Não, era apenas meio-dia. O que me atrasou foi o aguaceiro, que me pilhou em caminho. A chuva era tanta e tão forte o vento que meu cavalo quase não podia andar. Se não fosse isso, ao por do sol eu estava aqui.
— Então, quando entrou na mata, já era noite?...
— Oh!... se era!... já tinha anoitecido havia mais de uma hora.
— E Vm. não viu aí, no caminho, nada que o incomodasse?...
— Nada, Cirino, a não ser às vezes o mau caminho, e o frio, pois eu vinha ensopado da cabeça aos pés.
— Deveras, não viu nada, nada? é o primeiro!... pois hoje que dia é?...
— Hoje é sábado.
— Sábado!... que me diz? E eu, na mente que hoje era sexta-feira!... oh! Senhorinha!... eu tinha precisão de ir hoje ao campo buscar umas linhas que encomendei para meus anzóis, e não fui, porque esta minha gentinha de casa me disse que hoje era sexta-feira... e esta! E hoje, com esta chuva, era dia de pegar muito peixe... Oh! Senhorinha!... gritou o velho com mais força.
A este grito apareceu, saindo de um casebre vizinho, uma menina de oito a dez anos, fusca e bronzeada, quase nua, bocejando e esfregando os olhos; mas que me mostrava ser uma criaturinha esperta e viva como uma capivara.
— Então, senhorinha, como é que tu vais-me dizer que hoje era sexta-feira?... ah! cachorrinha! deixa-te estar, que amanhã tu me pagas... então hoje que dia é?...
— Eu também não sei, papai, foi a mamãe que me mandou que falasse que hoje era sexta...
— É o que tua mãe sabe ensinar-te; é a mentir!... deixa, que vocês outra vez não me enganam mais. Sai daqui: vai-te embora dormir, velhaquinha!
Depois que a menina, assim enxotada, se retirou, lançando um olhar cobiçoso sobre umas espigas de milho verde que os caboclos estavam a assar, o velho continuou:
— Veja o que são artes de mulher! A minha velha é muito ciumenta, e inventa todos os modos de não me deixar um passo fora daqui. Agora não me resta um só anzol com linha, o último lá se foi esta noite, na boca de um dourado; e, por culpa dessa gente, não tenho maneiras de ir matar um peixe para meu amo almoçar a amanhã!...
— Não te dê isso cuidado, Cirino; mas conta-me que te importava que hoje fosse sexta ou sábado, para ires ao campo buscar as tuas linhas?...
— O quê!... meu amo? Eu atravessar o caminho dessa mata em dia de sexta-feira?!... é mais fácil eu descer por esse rio abaixo em uma canoa sem remo!... não era à toa que eu estava perguntando se não lhe aconteceu nada no caminho.
— Mas o que há nesse caminho?... conta-me, eu não vi nada.
— Vm. não viu, daqui a obra de três quartos de légua, à mão direita de quem vem, um meio claro na beirada do caminho, e uma cova meio aberta com uma cruz de pau?
— Não reparei; mas sei que há por aí uma sepultura de que se contam muitas histórias.
— Pois muito bem! Aí nessa cova é que foi enterrado o defunto Joaquim Paulista. Mas é a alma dele só que mora aí: o corpo mesmo, esse anda espatifado aí por essas matas, que ninguém mais sabe dele.
— Ora valha-te Deus, Cirino! Não te posso entender. Até aqui eu acreditava que, quando se morre, o corpo vai para a sepultura, e a alma para o céu, ou para o inferno, conforme as suas boas ou más obras. Mas, com o teu defunto, vejo agora, pela primeira vez, que se trocaram os papéis: a alma fica enterrada e o corpo vai passear.
— Vm. não quer acreditar!... pois é coisa sabida aqui, em toda esta redondeza, que os ossos de Joaquim paulista não estão dentro dessa cova e que só vão lá nas sextas-feiras para assombrar os viventes; e desgraçado daquele que passar aí em noite de sexta-feira!...
— Que acontece?...
— Aconteceu o que já me aconteceu, como vou lhe contar.
II
Um dia, há de haver coisa de dez anos, eu tinha ido ao campo, à casa de um meu compadre que nora da aqui a três léguas.
Era uma sexta-feira, ainda me lembro, como se fosse hoje.
Quando montei no meu burro para vir-me embora, já o sol estava baixinho; quando cheguei na mata, já estava escuro; fazia um luar manhoso, que ainda atrapalhava mais a vista da gente.
Já eu ia entrando na mata, quando me lembrei que era sexta-feira. Meu coração deu uma pancada e a modo que estava me pedindo que não fosse para diante. Mas fiquei com vergonha de voltar. Pois um homem, já de idade como eu, que desde criança estou acostumado a varar por esses matos a toda hora do dia ou da noite, hei de agora ter medo? De quê?
Encomendei-me de todo o coração à Nossa Senhora da Abadia, tomei um bom trago na guampa que trazia sortida na garupa, joguei uma masca de fumo na boca, e toquei o burro para diante. Fui andando, mas sempre cismado; todas as histórias que eu tinha ouvido contar da cova de Joaquim Paulista estavam-se-me representando na idéia: e ainda, por meus pecados, o diabo do burro não sei o que tinha nas tripas que estava a refugar e a passarinhar numa toada.
Mas, a poder de esporas, sempre vim varando. À proporção que ia chegando perto do lugar onde está a sepultura, meu coração ia ficando pequenino. Tomei mais um trago, rezei o Creio em Deus Padre, e toquei para diante. No momento mesmo em que eu ia passar pela sepultura, que eu queria passar de galope e voando se fosse possível, aí é que o diabo do burro dos meus pecados empaca de uma vez, que não houve força de esporas que o fizesse mover.
Eu já estava decidido a me apear, largar no meio do caminho burro com sela e tudo, e correr para a casa; mas não tive tempo. O que eu vi, talvez Vm. não acredite; mas eu vi como estou vendo este fogo: vi com estes olhos, que a terra há de comer, como comeu os do pobre Joaquim Paulista... mas os dele nem foi a terra que comeu, coitado! Foram os urubus, e os bichos do mato. Dessa feita acabei de acreditar que ninguém morre de medo; se morresse, eu lá estaria até hoje fazendo companhia ao Joaquim Paulista. Cruz!... Ave Maria!...
Aqui o velho fincou os cotovelos nos nós joelhos, escondeu a cabeça entre as mãos e pareceu-me que resmungou uma Ave-Maria. Depois, acendeu o cachimbo, e continuou:
— Vm. se reparasse, havia de ver que o mato faz uma pequena aberta da banda, em que está a sepultura do Joaquim Paulista.
A lua batia de chapa na areia branca do meio da estrada. Enquanto eu estou esporeando com toda a força a barriga do burro, salta lá, no meio do caminho, uma cambada de ossinhos brancos, pulando, esbarrando uns nos outros, e estalando numa toada certa, como gente que está dançando ao toque de viola. Depois, de todos os lados, vieram vindo outros ossos maiores, saltando e dançando da mesma maneira.
Por fim de contas, veio vindo lá, de dentro da sepultura, uma caveira branca como papel, e com os olhos de fogo; e dando pulos como sapo, foi-se chegando para o meio da roda. Dai começaram aqueles ossos todos a dançar em roda da caveira, que estava quieta no meio, dando de vez em quando pulos no ar, e caindo no mesmo lugar, enquanto os ossos giravam num corrupio, estalando uns nos outros, como fogo da queimada, quando pega forte num sapezal.
Eu bem queria fugir, mas não podia; meu corpo estava como estátua, meus olhos estavam pregados naquela dança dos ossos, como sapo quando enxerga cobra; meu cabelo, enroscado como Vm. está vendo, ficou em pé como espetos.
Daí a pouco os ossinhos mais miúdos, dançando, dançando sempre e batendo uns nos outros, foram-se ajuntando e formando dois pés de defunto.
Estes pés não ficam quietos, não; e começam a sapatear com os outros ossos numa roda viva. Agora são os ossos das canelas, que lá vêm saltando atrás dos pés, e de um pulo, trás!... se encaixaram em cima dos pés. Daí a um nada vêm os ossos das coxas, dançando em roda das canelas, até que, também de um pulo, foram-se encaixar direitinho nas juntas dos joelhos. Toca agora as duas pernas que já estão prontas a dançar com os outros ossos.
Os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos esses ossos que ainda agora saltavam espalhados no caminho, a dançar, a dançar, foram pouco a pouco se ajuntando e embutindo uns nos outros, até que o esqueleto se apresentou inteiro, faltando só a cabeça. Pensei que nada mais teria que ver; mas ainda me faltava o mais feio. O esqueleto pega na caveira e começa a fazê-la rolar pela estrada, e a fazer mil artes e piruetas; depois entra a jogar peteca com ela, e a atirá-la pelos ares mais alto, mais alto, até o ponto de fazê-la sumir-se lá pelas nuvens; a caveira gemia zunindo pelos ares, e vinha estalar nos ossos da mão do esqueleto, como uma espoleta que rebenta. Afinal o esqueleto escanchou as pernas e os braços, tomando toda a largura do caminho, e esperou a cabeça, que veio cair direito no meio dos ombros, como uma cabaça oca que se rebenta em uma pedra, e olhando para mim com os olhos de fogo!...
Ah! meu amo!... Eu não sei o que era feito de mim!... Eu estava sem fôlego, com a boca aberta querendo gritar e sem poder, com os cabelos espetados; meu coração não batia, meus olhos não pestanejavam. O meu burro mesmo estava tremer e encolhia-se todo, como quem queria sumir-se debaixo da terra. Oh! se eu pudesse..fugir naquela hora, eu fugia ainda que tivesse de entrar pela goela de uma sucuri adentro.
Mas ainda não contei tudo. O maldito esqueleto do inferno — Deus me perdoe! — não tendo mais nem um ossinho com quem dançar, assentou de divertir-se comigo, que ali estava sem pingo de sangue, e mais morto do que vivo, e começa a' dançar defronte de mim, como essas figurinhas de papelão que as crianças, com uma cordinha, fazem dar de mão e de pernas; vai-se chegando cada vez mais para perto, dá três voltas em roda de mim, dançando e estalando as ossadas; e por fim de contas, de um pulo, encaixa-se na minha garupa...
Eu não vi mais nada depois; fiquei atordoado. Pareceu-me que o burro saiu comigo e como maldito fantasma, zunindo pelos ares, e nos arrebatava por cima das mais altas árvores.
Valha-me Nossa Senhora da Abadia e todos os santos da corte celeste! gritava eu dentro do coração, porque a boca essa nem podia piar. Era à toa; desacorçoei, e pensando que ia por esses ares nas unhas de Satanás, esperava a cada instante ir estourar nos infernos. Meus olhos se cobriam de uma nuvem de fogo, minha cabeça andar a roda, e não sei mais o que foi feito de mim.
Quando dei acordo de mim, foi no outro dia, na minha cama, a sol alto. Quando a minha velha, de manhã cedo, foi abrir a porta, me encontrou no terreiro, estendido no chão, desacordado, e o burro selado perto de mim.
A porteira da manga estava fechada; como é que esse burro pôde entrar comigo para dentro, e que não sei. Portanto ninguém me tira da cabeça que o burro veio comigo pelos ares.
Acordei como o corpo todo moído, e com os miolos pesando como se fossem de chumbo, e sempre com aquele maldito estalar de ossos nos ouvidos, que me perseguiu por mais de um mês.
Mandei dizer duas missas pela alma de Joaquim Paulista, e jurei que nunca mais havia de pôr meus pés fora de casa em dia de sexta-feira.
III
O velho barqueiro contava esta tremenda história de modo mais tosco, porém muito mais vivo do que eu acabo de escrevê-lo, e acompanhava a narração de uma gesticulação selvática e expressiva e de sons imitativos que não podem ser representados por sinais escritos. A hora avançada, o silêncio e solidão daqueles sítios, teatro desses assombrosos acontecimentos, contribuíram também grandemente para torná-los quase visíveis e palpáveis. Os caboclos, de boca aberta, o escutavam como olhos e ouvidos transidos de pavor, e de vez em quando, estremecendo, olhavam em derredor pela mata, como que receando ver surgir o temível esqueleto a empolgar e levar pelos ares alguns deles.
— Com efeito, Cirino! disse-lhe eu, foste vítima da mais pavorosa assombração de que ha exemplo, desde que andam por este mundo as almas do outro. Mas quem sabe se não foi a força do medo que te fez ver tudo isso? Além disso, tinhas ido muitas vezes à guampa, e talvez ficasse com a vista turva e a cabeça um tanto desarranjada.
— Mas, meu amo, não era a primeira vez que eu tomava o meu gole, nem que andava de noite por esses matos, e como é que eu nunca vi ossos de gente dançando no meio do caminho?
— Os teus miolos é que estavam dançando, Cirino; disso estou eu certo. Tua imaginação, exaltada a um tempo pelo medo e pelos repetidos beijos que davas na tua guampa, é que te fez ir voando pelos ares nas garras de Satanás. Escuta; vou te explicar como tudo isso te aconteceu muito naturalmente. Como tu mesmo disseste, entraste na mata com bastante medo, e, portanto, disposto a transformar em coisas do outro mundo tudo quanto confusamente vias no meio de uma floresta frouxamente alumiada por um luar escasso. Acontece ainda para teu mal que, no momento mais crítico, quando ias passando pela sepultura, empaca-te o maldito burro. Faço idéia de como ficaria essa pobre alma, e até me admiro de que não visses coisas piores!
— Mas então que diabo eram aqueles ossos a dançarem, dançarem tão certo, como se fosse a toque de música,- e aquele esqueleto branco, que trepou na garupa, e me levou por esses ares?
—Eu te digo. Os ossinhos que dançavam, não eram mais do que os raios da lua, que vinham peneirados por entre os ramos dos arvoredos balançados pela viração, brincar e dançar na areia branca do caminho. Os estalos, que ouvias, eram sem dúvida de alguns porcos do mato, ou qualquer outro qualquer bicho, que andavam ali por perto a quebrar nos dentes cocos de baguassu, o que, como bem sabes, faz uma estralada dos diabos.
—E a caveira, meu amo?... de certo era alguma cabaça velha que um rato do campo vinha rolando pela estrada...
—Não era preciso tanto; uma grande folha seca, uma pedra, um toco, tudo te podia parecer uma caveira naquela ocasião.
Tudo isto te fez andar à roda a cabeça azoinada, e o mais tudo que viste foi obra de tua imaginação e de teus sentidos perturbados. Depois, qualquer coisa, talvez um maribondo que o picou.
— Maribondo de noite!... ora, meu amo!... exclamou o velho com uma gargalhada.
—Pois bem!... fosse o que fosse; qualquer outra coisa ou capricho de burro, o certo é que o teu macho saiu contigo aos corcovos; ainda que atordoado, o instinto da conservação fez que te agarrasses bem à sela, e tiveste a felicidade de vir dar contigo em terra mesmo à porta de tua casa, e eis aí tudo.
O velho barqueiro ria com a melhor vontade, zombando de minhas explicações.
— Qual, meu amo, disse ele, réstea de luar não tem parecença nenhuma com osso de defunto, e bicho do mato, de noite, está dormindo na toca, e não anda roendo coco.
E pode Vm. ficar certo de que, quando eu tomo um gole, ali é que minha vista fica mais limpa e o ouvido mais afiado.
— É verdade, e, a tal ponto, que até chegas a ver e ouvir o que não existe.
— Meu amo tem razão; eu também, quando era moço, não acreditava em nada disso por mais que me jurassem. Foi-me preciso ver para crer; e Deus o livre a Vm. de ver o que eu já vi.
—Eu já vi, Girino; já vi, mas nem assim acreditei.
—Como assim, meu amo?...
—É que nesses casos eu não acredito nem nos meus próprios olhos, senão depois de estar bem convencido, por todos os modos, de que eles não enganam.
Eu te conto um caso que me aconteceu.
Eu ia viajando sozinho — por onde não importa — de noite, por um caminho estreito, em cerradão fechado, e vejo ir, andando a alguma distância diante de mim, qualquer coisa, que na escuridão não pude distinguir. Aperto um pouco o passo para reconhecer o que era, e vi clara e perfeitamente dois pretos carregando um defunto dentro de uma rede.
Bem poderia ser também qualquer criatura viva, que estivesse doente ou mesmo em perfeita saúde; mas, nessas ocasiões, a imaginação, não sei por quê, não nos representa senão defuntos. Uma aparição daquelas, em lugar tão ermo e longe de povoação, não deixou de me causar terror.
Contudo o caso não era extraordinário; carregar um cadáver em rede, para ir sepultá-lo em algum cemitério vizinho, é coisa que se vê muito nesses sertões, ainda que àquelas horas o negócio não deixasse de tornar bastante suspeito.
Piquei o cavalo para passar adiante daquela sinistra visão que me estava incomodando o espirito, mas os condutores da rede também apressaram o passo, e se conservavam sempre na mesma distância.
Pus o cavalo a trote; os pretos começaram também a correr com a rede. O negócio ia-se tornando mais feio. Retardei o passo para deixá-los adiantarem-se: também foram indo mais devagar. Parei; também pararam. De novo marchei para eles; também se puseram a caminho.
Assim andei por mais de meia hora, cada vez mais aterrado, tendo sempre diante dos olhos aquela sinistra aparição que parecia apostada em não me querer deixar, até que, exasperado, gritei-lhes que me deixassem passar ou ficar atrás, que eu não estava disposto a fazer-lhes companhia. Nada de resposta!... o meu terror subiu de ponto, e confesso que estive por um nada a dar de rédea para trás a bom fugir.
Mas negócios urgentes me chamavam para diante: revesti-me de um pouco de coragem que ainda me restava, cravei as esporas no cavalo e investi para o sinistro vulto a todo galope. Em poucos instantes o alcancei de perto e vi... adivinhem o que era?... nem que dêem volta ao miolo um ano inteiro, não são capazes de atinar com o que era. Pois era uma vaca!...
— Uma vaca!... como!...
— Sim, senhores, uma vaca malhada, que tinha a barriga toda branca — era a rede, — e os quartos traseiros e dianteiros inteiramente pretos; era os dois negros que a carregavam. Pilhada por mim naquela caminho estreito, sem poder desviar nem para uma banda nem para outra, porque o mato era um cerradão tapado o pobre animal ia fugindo diante de mim, se eu parava, também parava, porque não tinha necessidade de viajar; se eu apertava o passo lá ia ela também para diante, fugindo de mim. Entretanto se eu não fosse reconhecer de perto o que era aquilo, ainda hoje havia de jurar que tinha visto naquela noite dois pretos carregando um defunto em uma rede, tão completa era a ilusão. E depois se quisesse indagar mais do negócio, como era natural, sabendo que nenhum cadáver se tinha enterrado em toda aquela redondeza, havia de ficar acreditando de duas uma: ou que aquilo era coisa do outro mundo, ou, o que era mais natural, que algum assassinato horrível e misterioso tinha sido cometido por aquelas criaturas.
A minha história nem de leve abalou as crenças do velho barqueiro que abanou a cabeça, e disse-me, chasqueando:
— A sua história está muito bonita; mas, perdoe que lhe diga, eu por mais escuro que estivesse a noite e por mais que eu tivesse entrado no gole, não podia ver uma rede onde havia uma vaca; só pelo faro eu conhecia. Meu amo decerto tinha poeira nos olhos.
Mas vamos que Vm., quando investiu para os vultos, em vez de esbarrar com uma vaca, topasse mesmo uma rede carregando um defunto, que este defunto saltando fora da rede lhe lhe pulasse na garupa e o levasse pelos ares com cavalo e tudo, de modo que Vm., não desse acordo de si, senão no outro dia em sua casa e sem saber como?... havia de pensar, ainda, que que eram abusões? — Esse não era o meu medo: o que eu temia, era que aqueles negros acabassem ali comigo, e, em vez de um, carregassem na mesma rede dois defuntos para a mesma cova!
O que dizes era impossível.
—Esse não era o meu medo: o que eu temia, era que aqueles negros acabassem ali comigo, e, em vez de um, carregassem na mesma rêde dois defuntos para a mesma cova!
O que dizes era impossível.
—Impossível!... e como é que me aconteceu?... Se não fosse tão tarde, para Vm. acabar de crer, eu lhe contava por que motivo a sepultura de Joaquim Paulista ficou sendo assim mal-assombrada. Mas meu amo viajou; há de estar cansado da jornada e com sono.
—Qual sono!... conta-me; vamos a isso. Pois vá escutando.
IV
O tal Joaquim Paulista era um cabo do destacamento que naquele tempo havia aqui no Porto. Era bom rapaz e ninguém tinha queixa dele.
Havia aqui, também, por este tempo, uma rapariga, por nome Carolina, que era o desassossego de toda a rapaziada.
Era uma caboclinha escura, mas bonita e sacudida, como ela aqui ainda não pisou outra; com uma viola na mão, a rapariga tocava e cantava que dava gosto; quando saia para o meio de uma sala, tudo ficava de queixo caído; a rapariga sabia fazer requebrados e sapateados, que era um feitiço. Em casa dela, que era um ranchinho ali da outra banda, era súcias todos os dias; também todos os dias havia solados de castigo por amor de barulhos e desordens.
Joaquim Paulista tinha uma paixão louca pela Carolina; mas ela anda de amizade com um outro camarada, de nome Timóteo, que a tinha traz do de Goiás, ao qual queria muito bem. Vai um dia, não sei que diabo de dúvida tiveram os dois, que a Carolina se desapartou do Timóteo e fugiu para a casa, de uma amiga, aqui no campo Joaquim Paulista, que há muito tempo bebia os ares por ela, achou que a ocasião era boa, e tais artes armou, tais agrados fez à rapariga, que tomou conta dela. Ali! pobre rapaz!... se ele adivinhasse nem nunca teria olhado para aquela rapariga. O Timóteo, quando soube do caso, urrou de raiva e de ciúme; ele estava esperando que, passados os primeiros arrufos da briga, ela o viria procurar se ele não fosse buscá-la, como já de outras vezes tinha acontecido. Mas desta vez tinha-se enganado.
A rapariga estava por tal sorte embeiçada com o Joaquim Paulista, que de modo nenhum quis saber do outro, por mais que esse rogasse, teimasse, chorasse e ameaçasse mesmo de matar uma ou outro. O Timóteo desenganou-se, mas ficou calado e guardou seu ódio no coração.
Estava esperando uma ocasião.
Assim passaram-se meses, sem que houvesse novidade. O Timóteo vivia em muito boa paz com o Joaquim Paulista, que, tendo muito bom coração, nem de leve cismava que seu camarada lhe guardasse ódio.
Um dia, porém, Joaquim Paulista teve ordem do comandante do destacamento para marchar para a cidade de Goiás. Carolina, que era capaz do dar a vida por ele, jurou que havia de acompanhá-lo. O Timóteo danou. Viu que não era possível guardar para mais tarde o cumprimento de sua tenção danada, jurou que ele havia de acabar desgraçado, mas que Joaquim Paulista e Carolina não haviam de ir viver sossegados longe dele, e assim combinou, com outro camarada, tão bom ou pior do que ele, para dar cabo do pobre rapaz.
Nas vésperas da partida, os dois convidaram ao Joaquim para irem ao mato caçar. Joaquim Paulista, que não maliciava nada, aceitou o convite, e no outro dia, de manhã, saíram os três a caçar pelo mato. Só voltaram no outro dia de manhã, mais dois somente; Joaquim Paulista, esse tinha ficado, Deus sabe aonde.
Vieram contando, com lágrimas nos olhos, que uma cascavel tinha mordido Joaquim Paulista em duas partes, e que o pobre rapaz, sem que eles pudessem valer-lhe, em poucas horas tinha expirado, no meio do mato; que não podendo carregar o corpo, porque era muito longe, e temendo que o não pudessem encontrar mais, e que os bichos o comessem, o tinham enterrado lá mesmo; e, para prova disso, mostravam a camisa do desgraçado, toda manchada de sangue preto envenenado.
Mentira tudo!... O caso foi este, como depois se soube.
Quando os dois malvados já estavam bem longe por essa mata abaixo, deitaram a mão no Joaquim Paulista, o agarraram, e amarraram em uma árvore. Enquanto estavam nesta lida, o coitado do rapaz, que não podia resistir àqueles dois ursos, pedia por quantos santos há que não judiassem com ele, que não sabia que mal tinha feito a seus camaradas, que se era por causa da Carolina ele jurava nunca mais pôr os olhos nela, e iria embora para Goiás, sem ao menos dizer-lhe adeus. Era à toa. Os dois malvados nem ao menos lhe davam resposta.
O camarada de Timóteo era mandigueiro e curado de cobra, pegava ai no mais grosso jaracussu ou cascavel, as enrolava no braço, no pescoço, metia a cabeça, delas dentro da boca, brincava e judiava com elas de toda a maneira, sem que lhe fizessem mal algum. Na hora em que ele enxergava uma cobra, bastava pregar os olhos nela, a cobra não se mexia do lugar. Em cima de tudo, o diabo do soldado sabia um assovio com que chamava cobra, quando queria.
A hora que ele dava esse assovio, se havia por ali perto alguma cobra, havia de aparecer por força. Dizem que ele tinha parte com o diabo, e todo mundo tinha medo dele como do próprio capeta.
Depois que amarraram bem amarrado o pobre Joaquim Paulista, o camarada do Timóteo desceu pelas furnas de uns grotões abaixo, e andou - por lá muito tempo, assoviando o tal assovio que ele conhecia. O Timóteo ficou de sentinela ao Joaquim Paulista, que estava caladinho, coitado encomendando sua alma a Deus. Quando o soldado voltou, trazia em cada uma das ma os, apertado pela garganta, uma cascavel mais grossa do que esta minha perna. Os bichos desesperados batiam e se enrolavam pelo corpo do soldado, que nessa hora devia estar medonho que nem o diabo.
Então Joaquim Paulista compreendeu que qualidade de morte lhe iam dar aqueles dois desalmados. Pediu, rogou, mas debalde, que, se queriam matá-lo, pregassem-lhe uma bala na cabeça, ou enterrassem-lhe uma faca no coração por piedade, mas não o fizeram morrer de um modo tão cruel.
— Isso querias tu, disse o soldado, para nós irmos para à forca! nada! estas duas meninas é que hão de carregar com a culpa de tua morte; para isso é que fui buscá-las; nós não somos carrascos.
— Joaquim, disse o Timóteo, faze teu ato de contrição e deixa-te de histórias.
— Não tenhas medo, rapaz!... continua o outro. Estas meninas são muito boazinhas; olha como elas estão me abraçando!.. Faze de conta que são os dois braços da Carolina, que vão te apertar num gostoso abraço...
Aqui o Joaquim põe-se a gritar com quanto força tinha, a ver se alguém, acaso, podia ouvi-lo e acudir-lhe. Mas, sem perder tempo, o Timóteo pega num lenço e atocha-lhe na boca; mais que depressa o outro atira-lhe por cima os dois bichos, que no mesmo instante o picaram por todo o corpo. Imediatamente mataram as duas cobras, antes que fugissem. Não levou muito tempo, o pobre rapaz estrebuchava, dando gemidos de cortar o coração, e deitava sangue pelo nariz, pelos ouvidos e por todo o corpo.
Quando viram que o Joaquim já quase não podia falar, nem mover-se, e que não tardava a dar o último suspiro, desamarraram-no, tiraram-lhe a camisa, e o deixaram ai perto das duas cobras mortas.
Saíram e andaram todo o dia, dando voltas pelo campo.
Quando foi anoitecendo, embocaram pela estrada da mata, e vieram descendo para o porto. Teriam andado obra de uma légua, quando enxergaram um vulto, que ia andando adiante deles, devagarinho, encostado num pau e gemendo.
— É' ele, disse um deles espantado; não pode ser outro.
— Ele!... é impossível... só por um milagre.
— Pois eu juro em como não é outro, e nesse caso toca a dar cabo dele já.
— Que dúvida!
Nisto adiantaram-se e alcançaram o vulto
Era o próprio Joaquim Paulista!
Sem mais demora- socaram-lhe a faca no coração, e deram-lhe cabo dele. — Agora como há de ser?, diz um deles não há remédio senão fugir, senão estamos perdidos...
— Qual fugir! o comandante talvez não cisme nada; e no caso que haja alguma cousa, estas cadeiazinhas desta terra são nada para mim?... Portanto vai tu escondido, lá embaixo no porto, e traz uma enxada; enterremos o corpo ai no mato; e depois diremos que morreu picado de cobra.
Isto dizia o Timóteo, que, com o sentido na Carolina, não queria perder o fruto do sangue que derramou.
Com efeito assim fizeram; levaram toda a noite a abrir a sepultura para o corpo, no meio do mato, de uma banda do caminho que, nesse tempo, não era por ai, passava mais arredado. Por isso não chegaram, senão no outro dia de manhã.
— Mas, Cirino, como é que Joaquim pôde escapar das mordeduras das cobras, e como se veio a saber de tudo isso?...
— Eu já lhe conto, disse o velho.
E depois de fazer uma pausa para acender o cachimbo, continuou:
— Deus não queria que o crime daqueles amaldiçoados ficasse escondido. Quando os dois soldados deixaram por morto o Joaquim Paulista, andava por aquelas alturas um caboclo velho, cortando palmitos. Aconteceu que, passando por ai não muito longe, ouvi voz de gente, e veio vindo com cautela a ver o que era: quando chegou a descobrir o que se estava passando, frio e tremendo de susto, o pobre velho ficou espiando de longe, bem escondido numa mota, e viu tudo, desde a hora em que o soldado veio da furna com as cobras na mão. Se aqueles malditos o tivessem visto ali, tinham dado cabo dele também.
— Quando os dois se foram embora, então o caboclo, com muito cuidado, saiu da moita, e veio ver o pobre rapaz, que estava morre não morre!... O velho era mesinheiro muito mestre, e benzedor, que tinha fama em toda a redondeza.
Depois que olhou bem o rapaz, que já com a língua perra não podia falar, e já estava cego, andou catando pelo mato umas folhas que ele lá conhecia, mascou-as bem, cuspiu a saliva nas feridas do rapaz, e depois benzeu bem benzidas elas todas, uma por uma.
Quando foi daí a uma hora, já o rapaz estava mais aliviado, e foi ficando cada vez a melhor, até que, enfim, pôde ficar em pé, já enxergando alguma cousa.
Quando se podendo andar um pouco, o caboclo cortou um pau, botou na mão dele, e veio com ele, muito devagar, ajudando-o a caminhar até que, a muito custo, chegaram na estrada.
Ai o velho disse:
— Agora você esta na estrada, pode ir indo sozinho com seu vagar, que daqui a nada você está em casa.
Amanhã, querendo Deus, eu lá vou vê-lo outra vez. Adeus, camarada; Nossa Senhora te acompanhe.
O bom velho mal pensava, que, fazendo aquela obra de caridade, ia entregar outra vez à morte aquele infeliz a quem acaba de dar a vida. Um quarto de hora, aos que se demorasse, Joaquim Paulista estava escapo. Mas o que tinha de acontecer estava escrito lá em cima.
Não bastava ao coitado do Joaquim Paulista ter sido tão infeliz em vida, a infelicidade o perseguiu até depois de morto.
O comandante do destacamento, que não era nenhum samora, desconfiou do caso. Mandou prender os dois soldados, e deu parte na vila ao juiz, que daí a dois dias veio com o escrivão para mandar desenterrar o corpo. Vamos agora saber onde é que ele estava enterrado. Os dois soldados, que eram os únicos que podiam saber, andavam guiando a gente para uns rumos muito diferentes, e como nada se achava, fingiam que tinham perdido o lugar.
Bateu-se mato um dia inteiro sem se achar nada.
Afinal de contas os urubus é que vieram mostrar onde estava a sepultura. Os dois soldados tinha enterrado mal o corpo. Os urubus pressentiram o fétido da carniça e vieram-se ajuntar nas árvores em redor. Desenterrou-se o corpo, e via-se então uma grande facada no peito, do lado esquerdo. O corpo já estava apodrecendo e com muito mau cheiro. Os que o foram enterrar de novo, aflitos por se verem livres daquela fedentina, mal apenas jogaram à pressa alguns punhados de terra na cova, e deixaram o corpo ainda mais mal enterrado do que estava.
Vieram depois os porcos, os tatus, e outros bichos, cavoucaram a cova, espatifaram o cadáver, e andar espalhando os ossos do defunto ai por toda essa mata.
Só a cabeça é que dizem que ficou na sepultura.
Uma alma caridosa, que um dia encontrou um braço do defunto no meio da estrada, levou-o para a sepultura, encheu a cova da terra, socou bem, e fincou ai uma cruz. Foi tempo perdido; no outro dia a cova estava aberta tal qual como estava dantes. Ainda outras pessoas depois teimavam em ajuntar os ossos e enterrá-los bem. Mas no outro dia a cova estava aberta, assim como até hoje está.
Diz o povo que enquanto não se ajuntar na sepultura até o último ossinho do corpo de Joaquim Paulista, essa cova não se fecha. Se é assim, já se sabe que tem de ficar aberta para sempre. Quem é que há de achar esses ossos que, levados pelas enxurradas, já lá foram talvez rodando por esse Parnaíba abaixo?
Outros dizem que, enquanto os matadores de Joaquim Paulista estivessem vivos neste mundo, a sua sepultura havia de andar sempre aberta, nunca os seus ossos teriam sossego, e haviam de andar sempre assombrando os viventes cá neste mundo.
Mas esses dois malvados já há de muito tempo foram dar contas ao diabo do que andavam fazendo por este mundo, e a cousa continua na mesma.
O antigo camarada da Carolina, esse morreu no caminho de Goiás; a escolta que o levava, para cumprir sentença de galés por toda a vida, com medo que ele fugisse, pois o rapaz tinha artes do diabo, assentou de acabar com ele; depois contaram uma história de resistência, e não tiveram nada.
O outro, que era currado de cobra, tinha fugido; mas como ganhava a vida brincando com cobras e matava gente com elas, veio também a morrer na boca de uma delas.
Um dia em que estava brincando com um grande urutu preto, à vista de muita gente que estava a olhar de queixo caído, a bicha perdeu-lhe o respeito, e em tal parte e em tão má hora lhe deu um bote, que o maldito caiu logo estrebuchando, e em poucos instantes deu a alma ao diabo. Deus me perdoe, mas aquela fera não podia ir para o céu. O povo não quis por maneira nenhuma que ele fosse enterrado no sagrado, e mandou atirar o corpo no campo para os urubus.
Enfim eu fui à vila pedir ao vigário velho, que era o defunto padre Carmelo, para vir bendizer a sepultura de Joaquim Paulista, e tirar dela essa assombração que aterra todo este povo. Mas o vigário disse que isso não valia de nada; que enquanto não se dissessem pela alma do defunto tantas missas quantos ossos tinha ele no corpo, contando dedos, unhas, dentes e tudo, nem os ossos teriam sossego, nem a assombração acabaria, nem a cova se havia de fechar nunca.
Mas se os povos quisessem, e aprontassem as esmolas, que ele dizia as missas, e tudo ficaria acabado. Agora que há de contar quantos ossos a gente tem no corpo, e quando é que esses moradores, que não são todos pobres como eu, hão de aprontar dinheiro para dizer tanta missa?...
Portanto já se vê, meu amo, que o que lhe contei não é nenhum abusão; é cousa certa e sabida em toda esta redondeza. Todo esse povo ai está que não me há de deixar ficar mentiroso.
À vista de tão valentes provas, dei pleno crédito a tudo quanto o barqueiro me contou, e espero que a meus leitores acreditarão comigo, piamente, que o velho barqueiro do Parnaíba, uma bela noite, andou pelos ares montado em um burro, com um esqueleto na garupa.
Fim
Leia em pdf no site: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/12.pdf
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Gênero notícia
NOTÍCIA
A notícia é um texto de caráter informativo do domínio da Comunicação Social. Caracteriza-se pela atualidade, objetividade, brevidade e interesse geral. Relata, por vezes, situações pouco habituais. É redigida na 3ª pessoa. As informações são, geralmente, apresentadas por ordem decrescente de importância.
A estrutura da notícia
Uma notícia bem estruturada deve ser constituída por:
1. SEÇÃO (OPCIONAL): é a área do jornal ou da revista onde a notícia se encontra (caderno, coluna);
2. ANTETÍTULO: antecipação de informações que serão desenvolvidas na notícia;
3. MANCHETE (TÍTULO): consiste em um título curto, desenvolvido com o intuito de despertar rapidamente a curiosidade do leitor através do impacto e do suspense;
4. SUBTÍTULO: como a manchete é curta, o subtítulo complementa o seu entendimento e antecipa o leitor sobre os assuntos que virão (função semelhante a do antetítulo);
5. LEAD, CABEÇA ou PARÁGRAFO-GUIA (LIDE) - primeiro parágrafo, no qual se resume o que aconteceu. É a parte mais importante da notícia e o seu objetivo é, não só captar a atenção do leitor, mas ainda fornecer-lhe as informações fundamentais. Neste parágrafo deverá ser dada resposta às seguintes perguntas essenciais: quem?, o quê?, onde?, quando?;
6. CORPO DA NOTÍCIA (ZONA DE ABRANGÊNCIA / AMPLIAÇÃO) - desenvolvimento da notícia, onde se faz a descrição pormenorizada do que aconteceu. Nesta segunda parte, deverá responder-se às perguntas: como?, porquê?;
7. Toda notícia tem: público-alvo (perfil de leitor) e suporte linguístico (fonte);
8. A notícia pode vir acompanhada de ilustração: charges, tiras ou foto-legenda (fotos com comentários complementares sobre a notícia expressa);
9. A notícia pode ser imparcial, ou seja, apenas transmitir a informação de maneira impessoal e sem emitir opiniões da equipe jornalística, como pode emitir pontos-de-vista direta ou indiretamente (este último através de adjetivos, substantivos ou palavras que emitam juízos de valor.
Ex:
MANCHETE 1:
FERROVIÁRIA PERDE PARTIDA CONTRA O MATONENSE
MANCHETE 2:
FERROVIÁRIA ENVERGONHA CONTRA O MATONENSE
MANCHETE 3:
FERROVIÁRIA PERDE OUTRA VEZ CONTRA O MATONENSE
Estrutura interna
- Lead (lide): Quem? / O quê? / Onde? / Quando?
- Corpo da notícia: Como? / Por quê?
A notícia é encabeçada por um título que deve ser muito preciso e expressivo, para chamar a atenção do leitor. Este título relaciona-se, habitualmente, com o que é tratado no LEAD e pode ser acompanhado por um antetítulo ou por um subtítulo.
O esquema acima refere-se à técnica da pirâmide invertida - é habitual representar-se graficamente a notícia por esta pirâmide invertida. Na prática, aparecem muitas notícias que não respeitam a estrutura atrás apresentada.
Características da linguagem da notícia
A linguagem na notícia deverá respeitar os seguintes princípios:
- ser simples, clara, concisa e acessível, utilizando vocabulário corrente e frases curtas;
- recorrer prioritariamente ao nome e ao verbo, evitando, sobretudo, os adjetivos valorativos;
- usar especialmente frases de tipo expositivo (preferencialmente);
- Objetividade e formalidade ( de acordo com a língua padrão e o perfil do leitor escolhido);
- Impessoalidade (porém, há muitas notícias tendenciosas e que revelam o ponto-de-vista do autor).
A notícia é um texto de caráter informativo do domínio da Comunicação Social. Caracteriza-se pela atualidade, objetividade, brevidade e interesse geral. Relata, por vezes, situações pouco habituais. É redigida na 3ª pessoa. As informações são, geralmente, apresentadas por ordem decrescente de importância.
A estrutura da notícia
Uma notícia bem estruturada deve ser constituída por:
1. SEÇÃO (OPCIONAL): é a área do jornal ou da revista onde a notícia se encontra (caderno, coluna);
2. ANTETÍTULO: antecipação de informações que serão desenvolvidas na notícia;
3. MANCHETE (TÍTULO): consiste em um título curto, desenvolvido com o intuito de despertar rapidamente a curiosidade do leitor através do impacto e do suspense;
4. SUBTÍTULO: como a manchete é curta, o subtítulo complementa o seu entendimento e antecipa o leitor sobre os assuntos que virão (função semelhante a do antetítulo);
5. LEAD, CABEÇA ou PARÁGRAFO-GUIA (LIDE) - primeiro parágrafo, no qual se resume o que aconteceu. É a parte mais importante da notícia e o seu objetivo é, não só captar a atenção do leitor, mas ainda fornecer-lhe as informações fundamentais. Neste parágrafo deverá ser dada resposta às seguintes perguntas essenciais: quem?, o quê?, onde?, quando?;
6. CORPO DA NOTÍCIA (ZONA DE ABRANGÊNCIA / AMPLIAÇÃO) - desenvolvimento da notícia, onde se faz a descrição pormenorizada do que aconteceu. Nesta segunda parte, deverá responder-se às perguntas: como?, porquê?;
7. Toda notícia tem: público-alvo (perfil de leitor) e suporte linguístico (fonte);
8. A notícia pode vir acompanhada de ilustração: charges, tiras ou foto-legenda (fotos com comentários complementares sobre a notícia expressa);
9. A notícia pode ser imparcial, ou seja, apenas transmitir a informação de maneira impessoal e sem emitir opiniões da equipe jornalística, como pode emitir pontos-de-vista direta ou indiretamente (este último através de adjetivos, substantivos ou palavras que emitam juízos de valor.
Ex:
MANCHETE 1:
FERROVIÁRIA PERDE PARTIDA CONTRA O MATONENSE
MANCHETE 2:
FERROVIÁRIA ENVERGONHA CONTRA O MATONENSE
MANCHETE 3:
FERROVIÁRIA PERDE OUTRA VEZ CONTRA O MATONENSE
Estrutura interna
- Lead (lide): Quem? / O quê? / Onde? / Quando?
- Corpo da notícia: Como? / Por quê?
A notícia é encabeçada por um título que deve ser muito preciso e expressivo, para chamar a atenção do leitor. Este título relaciona-se, habitualmente, com o que é tratado no LEAD e pode ser acompanhado por um antetítulo ou por um subtítulo.
O esquema acima refere-se à técnica da pirâmide invertida - é habitual representar-se graficamente a notícia por esta pirâmide invertida. Na prática, aparecem muitas notícias que não respeitam a estrutura atrás apresentada.
Características da linguagem da notícia
A linguagem na notícia deverá respeitar os seguintes princípios:
- ser simples, clara, concisa e acessível, utilizando vocabulário corrente e frases curtas;
- recorrer prioritariamente ao nome e ao verbo, evitando, sobretudo, os adjetivos valorativos;
- usar especialmente frases de tipo expositivo (preferencialmente);
- Objetividade e formalidade ( de acordo com a língua padrão e o perfil do leitor escolhido);
- Impessoalidade (porém, há muitas notícias tendenciosas e que revelam o ponto-de-vista do autor).
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Características dos tipos textuais
Temos cinco tipo de sequências discursivas (tipos textuais):
narração, descrição, exposição, dissertação (argumentação) e injunção.
Vamos as características de cada tipo textual
Narração
Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o Capitão Rodrigo Camborá entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava num alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal.
(Um certo capitão Rodrigo – Érico Veríssimo)
Descrição
"Ao lado do meu prédio construíram um enorme edifício de apartamentos. Onde antes eram cinco românticas casinhas geminadas, hoje instalaram-se mais de 20 andares. Da minha sala vejo a varandas (estilo mediterrâneo) do novo monstro. Devem distar uns 30 metros, não mais.
E foi numa dessas varandas que o facto se deu."
(Mário Prata. 100 Crónicas. São Paulo, Cartaz Editorial, 1997)
Exposição (texto informativo / didático)
Folclore
Publicado em 3 03UTC agosto 03UTC 2010 por Portal do Professor
Folclore é o conjunto de crenças, superstições, lendas, festas e costumes de um povo passado de geração em geração.A palavra Folclore vem do inglês pela junção das palavras folk (povo) e lore (sabedoria popular) significando sabedoria do povo. O Folclore no Brasil só começou a receber atenção da elite na metade do século XIX, durante o Romantismo. Naquela época, a cultura popular crescia na Europa e Estados Unidos e, baseados nesse interesse, estudiosos brasileiros como Celso de Magalhães e Sílvio Romero pesquisaram as manifestações folclóricas nativas e publicaram estudos. Vários artistas cultos começaram a colocar em suas obras elementos da cultura popular o que fazia parte de um projeto, estimulado pelo governo de Dom Pedro II, para construção de símbolos nacionalistas que poderiam contribuir para afirmação do Brasil entre as nações civilizadas. O resultado de tudo isso foi que hoje o Folclore brasileiro se encontra em destaque. O Folclore alimenta o turismo cultural do Brasil e tornou-se instrumento de educação nas escolas.
Argumentação (dissertação)
O teatro grego apresentava uma função eminentemente pedagógica. Com sua tragédias, Sófocles e Eurípides não visavam apenas à diversão da platéia mas também, e sobretudo, pôr em discussão certos temas que dividiam a opinião pública naquele momento de transformação da sociedade grega. Poderia um filho desposar a própria mãe, depois de ter assassinado o pai de forma involuntária (tema de Édipo Rei)? Poderia uma mãe assassinar os filhos e depois matar-se por causa de um relacionamento amoroso (tema de Medeia e ainda atual, como comprova o caso da cruel mãe americana que, há alguns anos, jogou os filhos no lago para poder namorar livremente)?
Naquela sociedade, que vivia a transição dos valores místicos, baseados na tradição religiosa, para os valores da polis, isto é, aqueles resultantes da formação do Estado e suas leis, o teatro cumpria um papel político e pedagógico, à medida que punha em xeque e em choque essas duas ordens de valores e apontava novos caminhos para a civilização grega. “Ir ao teatro”, para os gregos, não era apenas uma diversão, mas uma forma de refletir sobre o destino da própria comunidade em que se vivia, bem como sobre valores coletivos e individuais.
Deixando de lado as diferenças obviamente existentes em torno dos gêneros teatrais (tragédia, comédia, drama), em que o teatro grego, quanto a suas intenções, diferia do teatro moderno? Para Bertold Brecht, por exemplo, um dos mais significativos dramaturgos modernos, a função do teatro era, antes de tudo, divertir. Apesar disso, suas peças tiveram um papel essencial pedagógico voltadas para a conscientização de trabalhadores e para a resistência política na Alemanha nazista dos anos 30 do século XX.
O teatro, ao representar situações de nossa própria vida – sejam elas engraçadas, trágicas, políticas, sentimentais, etc. – põe o homem a nu, diante de si mesmo e de seu destino. Talvez na instantaneidade e na fugacidade do teatro resida todo o encanto e sua magia: a cada representação, a vida humana é recontada e exaltada. O teatro ensina, o teatro é escola. É uma forma de vida de ficção que ilumina com seus holofotes a vida real, muito além dos palcos e dos camarins.
Injunção
4ª página. Minhas receitas preferidas. Bolo de Banana. Caramelize uma forma com açúcar, corte 10 bananas no sentido do comprimento, coloque-as na forma, bata 4 ovos com uma xícara de leite, duas de farinha de trigo e uma colher de fermento. Despeje a massa na forma, polvilhe (a gosto) com canela e açúcar e leve ao forno pré-aquecido em 180ºC. Deixe...
Chega. Este é um texto injuntivo (instrucional).
5ª página. Como fazer um parto de emergência ( recado para minhas filhas e netas). Mantenha a calma. Prepare uma superfície limpa para ela se deitar. Pegue uma tesoura e três pedaços de linha de 25cm. Ferva tudo por 10 minutos. Dobre um cobertor e coloque-o sobre a futura mamãe. Lave bem as mãos e as unhas com água e sabão. Quando as contrações aumentarem...
Basta. Este é um texto injuntivo-prescritivo.
Obs.:
1ª página. Fui criada ( e até hoje moro ) numa casa simples, mas de cômodos bem amplos e confortáveis. Um jardim colorido e aromático. Beija-flores por aqui não faltam. Tenho duas filhas. Ana, uma menina alta, meio desengonçada, mas de um brilho especial nos olhos muito pretos. Virgínia, uma menina muito magra, gestos e rosto delicados, tem uma cabeleira tão ruiva que poderia ser confundida com uma dessas atrizes do cinema americano....
Não precisa continuar. Você já percebeu que se trata de um texto descritivo.
2ª página. Certo dia, minhas duas filhas e eu fomos passear pelo sítio. Na margem do rio havia uma pequena canoa. O espírito de aventura falou mais alto. Entramos na canoa e, no meio do leito, notamos a água infiltrando-se. Percebi o desespero das meninas, mas tive de aparentar toda a calma e...
Já basta. Percebe-se que se trata de um texto narrativo.
3ª página. A vida de uma mulher não é fácil em parte alguma deste mundo. A sociedade machista impõe-lhe regras e destinos que ela jamais pode escolher. A mulher será sempre uma escrava totalmente submissa ao marido, às tradições, aos costumes e à hipocrisia chauvinista dos...
OK. Este é o exemplo clássico do texto dissertativo.
4ª página. Minhas receitas preferidas. Bolo de Banana. Caramelize uma forma com açúcar, corte 10 bananas no sentido do comprimento, coloque-as na forma, bata 4 ovos com uma xícara de leite, duas de farinha de trigo e uma colher de fermento. Despeje a massa na forma, polvilhe (a gosto) com canela e açúcar e leve ao forno pré-aquecido em 180ºC. Deixe...
Chega. Este é um texto injuntivo (instrucional).
5ª página. Como fazer um parto de emergência ( recado para minhas filhas e netas). Mantenha a calma. Prepare uma superfície limpa para ela se deitar. Pegue uma tesoura e três pedaços de linha de 25cm. Ferva tudo por 10 minutos. Dobre um cobertor e coloque-o sobre a futura mamãe. Lave bem as mãos e as unhas com água e sabão. Quando as contrações aumentarem...
Basta. Este é um texto injuntivo-prescritivo.
narração, descrição, exposição, dissertação (argumentação) e injunção.
Vamos as características de cada tipo textual
Narração
Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o Capitão Rodrigo Camborá entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava num alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal.
(Um certo capitão Rodrigo – Érico Veríssimo)
Descrição
"Ao lado do meu prédio construíram um enorme edifício de apartamentos. Onde antes eram cinco românticas casinhas geminadas, hoje instalaram-se mais de 20 andares. Da minha sala vejo a varandas (estilo mediterrâneo) do novo monstro. Devem distar uns 30 metros, não mais.
E foi numa dessas varandas que o facto se deu."
(Mário Prata. 100 Crónicas. São Paulo, Cartaz Editorial, 1997)
Exposição (texto informativo / didático)
Folclore
Publicado em 3 03UTC agosto 03UTC 2010 por Portal do Professor
Folclore é o conjunto de crenças, superstições, lendas, festas e costumes de um povo passado de geração em geração.A palavra Folclore vem do inglês pela junção das palavras folk (povo) e lore (sabedoria popular) significando sabedoria do povo. O Folclore no Brasil só começou a receber atenção da elite na metade do século XIX, durante o Romantismo. Naquela época, a cultura popular crescia na Europa e Estados Unidos e, baseados nesse interesse, estudiosos brasileiros como Celso de Magalhães e Sílvio Romero pesquisaram as manifestações folclóricas nativas e publicaram estudos. Vários artistas cultos começaram a colocar em suas obras elementos da cultura popular o que fazia parte de um projeto, estimulado pelo governo de Dom Pedro II, para construção de símbolos nacionalistas que poderiam contribuir para afirmação do Brasil entre as nações civilizadas. O resultado de tudo isso foi que hoje o Folclore brasileiro se encontra em destaque. O Folclore alimenta o turismo cultural do Brasil e tornou-se instrumento de educação nas escolas.
Argumentação (dissertação)
O teatro grego apresentava uma função eminentemente pedagógica. Com sua tragédias, Sófocles e Eurípides não visavam apenas à diversão da platéia mas também, e sobretudo, pôr em discussão certos temas que dividiam a opinião pública naquele momento de transformação da sociedade grega. Poderia um filho desposar a própria mãe, depois de ter assassinado o pai de forma involuntária (tema de Édipo Rei)? Poderia uma mãe assassinar os filhos e depois matar-se por causa de um relacionamento amoroso (tema de Medeia e ainda atual, como comprova o caso da cruel mãe americana que, há alguns anos, jogou os filhos no lago para poder namorar livremente)?
Naquela sociedade, que vivia a transição dos valores místicos, baseados na tradição religiosa, para os valores da polis, isto é, aqueles resultantes da formação do Estado e suas leis, o teatro cumpria um papel político e pedagógico, à medida que punha em xeque e em choque essas duas ordens de valores e apontava novos caminhos para a civilização grega. “Ir ao teatro”, para os gregos, não era apenas uma diversão, mas uma forma de refletir sobre o destino da própria comunidade em que se vivia, bem como sobre valores coletivos e individuais.
Deixando de lado as diferenças obviamente existentes em torno dos gêneros teatrais (tragédia, comédia, drama), em que o teatro grego, quanto a suas intenções, diferia do teatro moderno? Para Bertold Brecht, por exemplo, um dos mais significativos dramaturgos modernos, a função do teatro era, antes de tudo, divertir. Apesar disso, suas peças tiveram um papel essencial pedagógico voltadas para a conscientização de trabalhadores e para a resistência política na Alemanha nazista dos anos 30 do século XX.
O teatro, ao representar situações de nossa própria vida – sejam elas engraçadas, trágicas, políticas, sentimentais, etc. – põe o homem a nu, diante de si mesmo e de seu destino. Talvez na instantaneidade e na fugacidade do teatro resida todo o encanto e sua magia: a cada representação, a vida humana é recontada e exaltada. O teatro ensina, o teatro é escola. É uma forma de vida de ficção que ilumina com seus holofotes a vida real, muito além dos palcos e dos camarins.
Injunção
4ª página. Minhas receitas preferidas. Bolo de Banana. Caramelize uma forma com açúcar, corte 10 bananas no sentido do comprimento, coloque-as na forma, bata 4 ovos com uma xícara de leite, duas de farinha de trigo e uma colher de fermento. Despeje a massa na forma, polvilhe (a gosto) com canela e açúcar e leve ao forno pré-aquecido em 180ºC. Deixe...
Chega. Este é um texto injuntivo (instrucional).
5ª página. Como fazer um parto de emergência ( recado para minhas filhas e netas). Mantenha a calma. Prepare uma superfície limpa para ela se deitar. Pegue uma tesoura e três pedaços de linha de 25cm. Ferva tudo por 10 minutos. Dobre um cobertor e coloque-o sobre a futura mamãe. Lave bem as mãos e as unhas com água e sabão. Quando as contrações aumentarem...
Basta. Este é um texto injuntivo-prescritivo.
Obs.:
1ª página. Fui criada ( e até hoje moro ) numa casa simples, mas de cômodos bem amplos e confortáveis. Um jardim colorido e aromático. Beija-flores por aqui não faltam. Tenho duas filhas. Ana, uma menina alta, meio desengonçada, mas de um brilho especial nos olhos muito pretos. Virgínia, uma menina muito magra, gestos e rosto delicados, tem uma cabeleira tão ruiva que poderia ser confundida com uma dessas atrizes do cinema americano....
Não precisa continuar. Você já percebeu que se trata de um texto descritivo.
2ª página. Certo dia, minhas duas filhas e eu fomos passear pelo sítio. Na margem do rio havia uma pequena canoa. O espírito de aventura falou mais alto. Entramos na canoa e, no meio do leito, notamos a água infiltrando-se. Percebi o desespero das meninas, mas tive de aparentar toda a calma e...
Já basta. Percebe-se que se trata de um texto narrativo.
3ª página. A vida de uma mulher não é fácil em parte alguma deste mundo. A sociedade machista impõe-lhe regras e destinos que ela jamais pode escolher. A mulher será sempre uma escrava totalmente submissa ao marido, às tradições, aos costumes e à hipocrisia chauvinista dos...
OK. Este é o exemplo clássico do texto dissertativo.
4ª página. Minhas receitas preferidas. Bolo de Banana. Caramelize uma forma com açúcar, corte 10 bananas no sentido do comprimento, coloque-as na forma, bata 4 ovos com uma xícara de leite, duas de farinha de trigo e uma colher de fermento. Despeje a massa na forma, polvilhe (a gosto) com canela e açúcar e leve ao forno pré-aquecido em 180ºC. Deixe...
Chega. Este é um texto injuntivo (instrucional).
5ª página. Como fazer um parto de emergência ( recado para minhas filhas e netas). Mantenha a calma. Prepare uma superfície limpa para ela se deitar. Pegue uma tesoura e três pedaços de linha de 25cm. Ferva tudo por 10 minutos. Dobre um cobertor e coloque-o sobre a futura mamãe. Lave bem as mãos e as unhas com água e sabão. Quando as contrações aumentarem...
Basta. Este é um texto injuntivo-prescritivo.
Assinar:
Postagens (Atom)