quinta-feira, 31 de março de 2011

ARRUME A CASA, DONA MARIA, QUE VAI TER COPA DO MUNDO

Arrume a casa, dona Maria, que vem visita! Prenda os cachorros, dê banho nas crianças, passe uma vassoura no chão, jogue a poeira pra debaixo do tapete, faça um café e... por aí afora. É mais ou menos esta ideia que uma copa do mundo traz para o Brasil. O país muda com as exigências para sediação deste evento mundial. Iniciam-se reformas e investimentos em aeroportos, transportes, no setor de hotelaria, turismo em geral e etc, etc, etc. Vultosas somas são direcionadas a este propósito. Muito dinheiro é gasto neste processo. E grande parte deste dinheiro veio do seu bolso, caro amigo leitor. Dos impostos que sequestram nossos salários todo ano.
As reformas e investimentos são importantes para o país, mas é lamentável que a principal motivação para a melhoria centra-se no evento e não nas necessidades do povo brasileiro. Um povo que sofre com a miséria e com a má distribuição de renda. Um povo, que em grande parte, sucumbe ao desemprego, a uma educação que carece de qualidade, à falta de moradia e, consequentemente, a uma criminalidade sem precedentes na história de nosso país. Tudo isto poderia ser amenizado e diluído gradativamente com recursos que “sabe-se-lá-para-onde” são destinados.
Enquanto acompanhava a Operação de desocupação da favela do morro do Alemão, escutei o seguinte comentário, vindo de uma repórter: “Autoridades governamentais afirmam que o exército ficará no morro até o término das festividades da Copa do Mundo”. Um verdadeiro absurdo ouvir isto! Quer dizer então que depois que a copa acabar a cobra pode fumar lá na favela? Foi isto que entendi?
E a saúde do povo? A educação? O trabalho? O salário? O dos políticos já aumentou, né! E a merreca do pobre, aumenta quando? Vai ser uma linda comemoração para gringos em território brasileiro. Com o salário que ganhamos e o preço dos ingressos que, com certeza, não serão baratos, a copa do Brasil vai ser um evento pra lá de estrangeiro em território nacional, Yes, of course! Mas não se preocupem, poderemos acompanhar o evento pela televisão com a narração do Galvão Bueno (Por favor, não ria. Não ria, pô! A coisa é séria!).
Será que a população da região serrana do Rio, de Santa Catarina ou outras regiões devastadas por enchentes e deslizamentos de terra estão animadas para esta Copa? Eles perderam tudo, se o Brasil perder, não vai fazer diferença, não é mesmo? Desgraça pouca é bobagem, bobagem.
Se nossos governantes realmente se preocupassem em representar o povo que o elegeu, renunciariam ao direito de sediar esta copa sob a alegação de que suas crianças precisam de educação de maior qualidade, que seus idosos precisam de um sistema de saúde mais eficiente e uma aposentadoria que honre o passado de quem ajudou a construir este país. Estariam ocupados demais para pensar em Copa, pois teriam que se preocupar com a distribuição de renda, com o aumento do salário que sustenta a sobrevida de milhares de famílias do país. E também estariam preocupados com as reformas de seus órgãos públicos e da própria política, que há muito tempo grita por socorro e mudança.
Você pode até dizer, caro leitor, que estou sendo radical demais, que a Copa é um evento bonito, cultural e até mesmo educativo, pois une todos os povos em uma comemoração esportiva e tudo o mais. Concordo em gênero, número e grau. O problema não é a Copa, é o país. O Brasil precisa vencer as oitavas de final contra a corrupção, as quartas de final contra a criminalidade e outros adversários para depois pensar em “relaxa e goza” (ou seria “relaxa e joga!”). Primeiro vamos resolver os problemas internos do nosso país para depois querer fazer bonito para os outros.
Mas, por outro lado, se tirassem as crianças das ruas e dos semáforos, melhorassem a distribuição de renda, a escola, o salário; se acabassem com o problema da corrupção, da criminalidade e da violência; e dessem o auxílio que os idosos tanto precisam, como conseguiriam explorar a esperança do povo e conseguir, desta forma, a eleição?
É, dona Maria não percebeu que arrumar a casa depressa só levanta mais poeira. E, ao invés de limpar, suja tudo. Vai com calma dona Maria. Devagar com o andor que o santo é de barro e a política é de lama. Mas ela não nos ouve. Está preocupada demais com os sons de vuvuzelas, fogos de artifícios e gritos de “gooooool” que se aproximam no horizonte.

Texto de Profirmeza (André Luiz Raphael)

sábado, 26 de março de 2011

DENGÓPOLIS - A MORADA DA DENGUE

O que faz uma cidade, que é referência em educação e informação ter alarmantes casos de dengue? Seria falta de conhecimento, instrução? Acredito que não! São tantas propagandas: fotos do mosquito com infográficos sobre os perigos e as formas de prevenção, mosquitos personalizados com cara de gangster, sendo massacrados por um sinal de proibido bem gigante, musiquinhas de conscientização, crianças vestidas de super-heróis, entrando em casas e orientando sobre o combate, artistas famosos fazendo apelos. Só falta colocar mulher seminua para falar dos perigos da água parada e da dengue, pô! (mas é aí que ninguém vai prestar atenção em nada mesmo), pois de resto tudo já foi feito.
O problema é que há pessoas que tem água parada no cérebro. Local de difícil acesso para a fiscalização. E são estes indivíduos de mente aquática que deixam vasos nadando em recipientes com água, piscinas verdejantes de musgo que não veem cloro há muito tempo, lixo em terrenos baldios e na rua, o pote de água do cachorro com água jurássica, ou seja, Araraquara deveria ser chamada de “Morada da Dengue” ou “Dengópolis”, pois a cidade é um verdadeiro hotel de cinco estrelas para o mosquito. O mercado imobiliário da cidade nunca foi tão favorável ao inseto: ele tem sangue em abundância, sombra e água fresca em dezenas de residências de nosso município. As pessoas nunca foram tão solicitas com algo que nos faz tão mal. É como ser assaltado e dizer ao bandido “Obrigado, volte sempre! Agradecemos pela preferência!”
O pior é que estes seres “hidro-anencéfalos” (se me permitem o neologismo) que dão esta “sopa” ao mosquito (ou seria água?) não percebem os efeitos colaterais que geram na cidade. As pessoas infectadas vão aumentar as incidências do contágio, a isto chamamos “epidemia” (se desconhecerem a palavra, procure no dicionário, por favor!). Com mais pessoas infectadas, os hospitais e prontos-socorros vão ficar tão abarrotados, como supermercado em véspera de feriado. Logicamente, como dois e dois são quatro (joga no Google se tiver dúvida!), o atendimento e a solução do problema vão ser prejudicados no quesito qualidade e tempo. Entretanto, há casos que não podem esperar. Não dá para dizer ao infartado “espera na fila que a gente já vai te atender” ou “não vai morrer agora, espera só um pouquinho” ou ainda para o acidentado “segura as tripas que o doutor já vai costurar, tá boooooom?”.
O interessante é que muitas destas pessoas em suas rodas de bate-papo espinafram o serviço público, sem reparar que a solução de um problema, para ser efetiva, não depende somente do governo ou da prefeitura municipal, depende de todos. Adianta muito alguém arrumar a bagunça para outro desfazer em seguida tudo o que foi feito. Tem graça? Não seria melhor unir forças em prol de uma mesma ação.
O pior de tudo é que tem vereador fazendo projeto para “premiar” e, assim, incentivar atitudes cidadãs no combate a Dengue. O projeto é interessante, mas a que ponto chegamos?! Isto é o mesmo que procurar razões, justificativas, argumentos pedagógicos e lógicos para que alguém utilize o papel higiênico após suas necessidades fisiológicas. A atitude dos políticos é nobre, mas a sociedade tem que se conscientizar. Senão, daqui a pouco vamos criar o “Bingão do Dengão” (com prêmios de montão!), o “Dengue Zero”, o “Bolsa Dengue”, sendo que a atitude de precaução e prevenção é obrigação do cidadão. Contribuir para a propagação desta doença, de uma forma ou de outra, deveria ser considerado crime. Se a dengue mata, compactuar com ela, é compactuar com uma tentativa de homicídio. Pense nisto, cidadão! E se sua cabeça anda meio “encharcada”, talvez esteja na hora de uma boa limpeza e uma boa reflexão. Afinal, destruir o foco do mosquito é fácil, é questão de opinião e persistência. Não espere a Dengue entrar em sua casa e colocar em risco a vida das pessoas que você ama e a sua para depois tomar uma atitude.
Araraquara já é a morada do sol, não há espaço para a Dengue aqui! Lute por isto. Diga a Dengue “Uh, fora! Uh, fora! Uh, fora...

Texto de Profirmeza (André Luiz Raphael)

sábado, 5 de março de 2011

APRENDA AS NOVAS REGRAS ORTOGRÁFICAS BRINCANDO



GAME DA REFORMA ORTOGRÁFICA

VISITE ESTE ENDEREÇO:

http://www.fmu.br/game/home.asp

(Neste endereço também é possível baixar gratuitamente o guia da reforma ortográfica)

Há um também outros jogos sobre a reforma ortográfica neste site:

http://www.passoapassovotuporanga.com.br/reformaortografica/jogos.html


Bom divertimento e bom estudo!!

HQs: POLÍTICA E HUMOR

A HISTÓRIA, MAIS OU MENOS (LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO)

Negócio seguinte. Três reis magrinhos ouviram um plá de que tinha nascido um Guri. Viram o cometa no Oriente e tal e se flagraram que o Guri tinha pintado por lá. Os profetas, que não eram de dar cascata, já tinham dicado o troço: em Belém da Judéia vai nascer o Salvador, e tá falado. Os três magrinhos se mandaram. Mas deram o maior fora. Em vez de irem direto para Belém, como mandava o catálogo, resolveram dar uma incerta no velho Herodes, em Jerusalém. Pra quê! Chegaram lá de boca aberta e entregaram toda a trama. Perguntaram: Onde está o rei que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Quer dizer, pegou mal. Muito mal. O velho Herodes, que era um oligão, ficou grilado. Que rei era aquele? Ele é que era o dono da praça Mas comeu em boca e disse: Jóia. Onde é que esse guri vai se apresentar? Em que canal? Quem é o empresário? Tem baixo elétrico? Quero saber tudo. Os magrinhos disseram que iam flagrar o Guri e na volta dicavam tudo para o coroa. Bom. Seguiram o cometa, chegaram numa estrebaria e lá estava o Guri com a Mãe e o Pai. Sensacional. Parecia até um presépio vivo. Os magrinhos encheram o Guri de presente. Era Natal, pô. Mirra, incenso, ouro, autorama. Tava na hora de darem no pé quando chegou um telex. E do céu. Um anjo avisando aaos magrinhos que não, repito, não voltem à presença de Herodes porque o coroa tá a fim de apagar o Guri. E depois que os magrinhos se mandaram, chegou outro telex, desta vez para o velho do Guri. Te manda e leva a família. O Herodes vem atrás de você e não é pra dar presente. O velho pegou a mulher e o Guri e voou para o Egito. Na estrebaria as vacas ficaram se entreolhando meio acanhadas, mas depois esqueceram tudo. Aliás, um dos carneiros, mais tarde, quis vender a história toda para um jornal de Jerusalém, mas não acertaram o tutu. Bom, o Herodes, é claro, ficou chutando as paredes quando soube da jogada dos magrinhos. Mandou que todo bebinski nascido nas bocas fosse cancelado. Se tiver fralda, apaga. Foi chato. Muito chato. Morreu neném que não foi fácil. Mas o Guri tava no Egito, vivão. Pouco depois Deus achou que Herodes tava se passando e cassou a licença dele. E mandou passar outro telex para o velho do Guri: Pode voltar. Segue carta. Mas o velho foi vivo e em vez de pintar na Judéia — onde o filho de Herodes, outro mauca, reinava — foi para a Galiléia, para uma cidadezinha chamada Nazaré. Ali o Guri cresceu legal. Acabou Rei mesmo, dando o maior Ibope. Aliás, os profetas já tinham dito que o Guri seria chamado Nazareno. Naquela época, profeta não dava uma fora! Se tivesse a Loteria Esportiva, já viu, né?

CHARGE SOBRE ESTRANGEIRISMO NA LÍNGUA

QUENTE E FRIO (LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO)

QUENTE E FRIO

Me dizem que, de acordo com uma convenção internacional, a torneira de um lado é sempre a da água quente e a do outro, logicamente, a da água fria. Mas nunca me lembro quais são os lados. Não usam mais os velhos Q e F, imagino, para não discriminar os analfabetos, nem as cores vermelho para quente e azul para fria, para não discriminar os daltônicos. Mas e nós, os patetas? Também precisamos tomar banho.
Nunca nos lembramos de que lado é o quente e de que lado é o frio e estamos condenados a sustos constantes ou então a demorada experimentação até acertar a temperatura da água. Isso quando os controles não estão concentrados numa única supertorneira de múltiplas funções, na qual você pode escolher volume e temperatura numa combinação de movimentos sincronizados depois de completar um curso de aprendizagem do qual também sairá capacitado a pilotar um Boeing.
A verdade é que existe uma conspiração para afastar do mundo do consumo moderno as pessoas, digamos, neuronicamente prejudicadas. Em alguns casos a depuração foi longe demais e o resultado é que hoje existem, comprovadamente, apenas dezessete pessoas em todo o mundo que sabem programar o timer para gravação num videocassete. Destas, quinze só revelam o que sabem por muito dinheiro, uma está muito doente e a outra se retirou para o Tibete e não quer ser incomodada. Na maioria dos casos, no entanto, as instruções para uso são dirigidas a pessoas normais, com um mínimo de acuidade e bom senso - quer dizer, são contra nós! Mas eu já me resignara a não saber programar o timer, ou sequer saber o que era um timer, ou jamais usar a tecla Num Lock com medo de trancar todos os computadores num raio de um quilômetro, desde que me sentisse confortável no mundo que eu dominava. Como, por exemplo, no chuveiro. E então a modernidade chegou às torneiras, e quente e frio também se transformaram em desafios intelectuais. Quente é a da esquerda e fria é a da direita, é isso? Ou é o contrário? É uma conspiração. (Luís F. Veríssimo, em O Globo, 13/1/02)

É PROIBIDO ACHAR (WALCYR CARRASCO)

Chego em casa à noite, exausto. A mesa vazia. Nada sobre o fogão. Nem no forno. Nem
na geladeira. Não há jantar. Pior! Os ovos, sempre providenciais, acabaram. Sou
forçado a me contentar com um copo de leite e bolachas. No dia seguinte, revolto-me
diante da empregada.
— Passei fome!
— Ih! Achei que o senhor não vinha jantar!
Solto faíscas que nem um fio desencapado ao ouvir o verbo “achar” em qualquer
conjugação. É um perigo achar. Não no sentido de expressar uma opinião, mas de supor
alguma coisa. Tenho trauma, é verdade! Tudo começou aos 9 anos de idade. Durante a
aula, fui até a professora e pedi:
— Posso ir ao banheiro?
Ela não permitiu. Agoniado, voltei à carteira. Cruzei as pernas. Cruzei de novo.
Torci os pés. Impossível escrever ou ouvir a lição. Senti algo morno escorrendo
pelas pernas. Fiz xixi nas calças! Alguém gritou:
— Olha, ele fez xixi!
Dali a pouco toda a classe ria. E a professora, surpresa:
— Ih… eu achei que você pediu para sair por malandragem!
Vítima infantil, tomei horror ao “achismo”. Aprendi: sempre que alguém “acha” alguma
coisa, “acha” errado. Meu assistente, Felippe, é mestre no assunto.
— Não botei gasolina no carro porque achei que ia dar! — explica, enquanto faço
sinais na estrada tentando carona até algum posto.
Inocente não sou. Traumatizado ou não, também já achei mais do que devia. Quase
peguei pneumonia na Itália por supor que o clima estaria ameno e não levar roupa de
inverno. Palmilhei mercadinhos de cidades desconhecidas por imaginar que hotéis
ofereceriam pasta de dente. Deixei de ver filmes e peças por não comprar ingressos
com antecedência ao pensar que estariam vazios. Fiquei encharcado ao apostar que não
choveria, apesar das previsões do tempo. Viajei quilômetros faminto por ter certeza
de que haveria um bar ou restaurante aberto à noite em uma estrada desconhecida.
Há algum tempo vi um livro muito interessante em um antiquário. Queria comprá-lo.
Como ia passar por outras lojas, resolvi deixar para depois.
— Ninguém vai comprar esse livro justo agora! — disse a mim mesmo.
Quando voltei, fora vendido. Exemplar único.
— O senhor podia ter reservado — disse o antiquário.
— É, mas eu achei…
Mas eu me esforço para não achar coisa alguma. Quem trabalha comigo não pode mais
achar. Tem de saber. Mesmo assim, vivo enfrentando surpresas. Nas relações pessoais
é um inferno: encontro pessoas que mal falavam comigo porque achavam que eu não
gostava delas. Já eu não me aproximava por achar que não gostavam de mim! Acompanhei
uma história melancólica.
Dois colegas de classe se encontraram trinta anos depois. Ambos com vida amorosa
péssima, casamento desfeito. Com a sinceridade que só a passagem do tempo permite,
ele desabafou:
— Eu era apaixonado por você naquela época. Mas nunca me abri. Achei que você não ia
querer nada comigo. Ela suspirou, arrasada.
— Eu achava você o máximo! Como nunca se aproximou, pensei que não tinha atração por
mim!
Os dois se encararam arrasados. E se tivessem namorado? Talvez a vida deles fosse
diferente! É óbvio, poderiam tentar a partir de agora. Mas o que fazer com os trinta
anos passados, a bagagem de cada um?
Quando alguém me diz:
— Eu acho que…
Respondo:
— Não ache, ninguém perdeu nada.
Adianta? Coisa nenhuma! Vivo me dando mal porque alguém achou errado! Sempre que
posso, insisto:
— Se não sabe, pergunte! É o lema que adotei: melhor que achar, sempre é verificar!

A VIDA DENTRO DE UM FILME - WALCYR CARRASCO

A VIDA DENTRO DE UM FILME (WALCYR CARRASCO)
DISPONÍVEL EM:
"HISTÓRIAS PARA A SALA DE AULA"
(EDITORA MODERNA)

Vou falar a verdade. Eu me sinto dentro de um filme. Um desses bem violentos, em que os personagens levam balas perdidas. Fogem de carro com os pneus guinchando. Despencam de prédios. Tenho motivos, apesar de ter uma vida bem preservada! Trabalho em casa. Saio pouco. Mesmo assim, já estive no meio de um assalto a banco. Ocorreu há alguns anos, numa agência da Brigadeiro Luís Antônio. Por sorte, estava na sala da gerência. Mais sorte ainda, com um amigo que foi do Exército. De repente, ouvimos uns estouros. Experiente, ele me empurrou para o chão.

– Tiros! – avisou.

Um homem veio de gatinhas se refugiar embaixo da mesa. Ficamos lá, ouvindo os disparos, em silêncio. Ao cabo de alguns minutos, tudo acabado. O segurança reagira ao assalto. Feridos. Os ladrões fugiram sem roubar. Todo mundo gritava. Respirei fundo. Tinha me safado.

Dia desses, conversava com um vizinho.

– Ah, eu já fui seqüestrado quando era mais novo – contou com simplicidade.

Achei normal conhecer um ex-seqüestrado.

Morei no centro da cidade. Com freqüência ouvia gente correndo e gritando durante a noite. Brigas. Há meses uma amiga deu uma festa em família. Alguns parentes trouxeram amigos e namoradas. Sumiu o celular de seu genro. Culparam a filhinha mais nova de uma irmã. Inocente, poderia tê-lo atirado pela janela. Ninguém queria acreditar em outra possibilidade! Dali a alguns meses, dois rapazes convidados foram presos. Motivo: roubo. E mais: o tio de um foi morto em um tiroteio, pois trabalhava com cargas roubadas. Uma senhora presente deu um golpe com uma série de cheques sem fundos. Esclareço: não estou falando de uma festa na periferia, onde a classe média acredita residir a contravenção. Mas de gente bem de vida, do bairro de Pinheiros, em São Paulo. Caso próximo é o do vizinho de um amigo, 19 anos, filho de empresário, pego ao participar de um seqüestro. Gostamos de acreditar que o crime vive distante. Mas ele já se entranhou em famílias de classe média. Não é mais nós aqui, eles lá. E, sim, todo mundo no meio do rolo!

No Rio de Janeiro, já estive em um carro pego no meio de um tiroteio. O trânsito parou total. Surpreendentemente, fiquei calmo. Se viesse uma bala perdida não havia o que fazer. Meu assistente foi assaltado em um semáforo em São Paulo, entregou o que tinha.

Fico sem jeito ao escrever estas linhas. Tudo parece tão comum! O mais chocante é exatamente essa banalidade. É como se vivesse em um filme policial. Ou de ficção científica, com mundos afundados na violência. Há, porém, uma diferença fundamental. Os heróis cinematográficos escapam de todas as balas. Pulam de viadutos. Atiram-se de aviões. Enfrentam seqüestradores. Dão cabeçadas em bandidos. Derrotam dezenas de adversários, sem armas! Abrem algemas com um pedacinho de arame! E eu? Às vezes nem consigo virar a chave na fechadura!

A vida dos personagens é alucinante. Pessoalmente, não tenho forma física para me atirar no lustre do banco e atingir os ladrões com os pés. Correr no meio de uma chuva de balas e escapar ileso! Ou rolar no chão com um atacante! Já é assustador pensar em perguntar a um convidado se pegou o celular, como na festa de minha amiga! Ou desconfiar do filho de um vizinho que viva trocando de carro.

É terrível a sensação de estar no meio de um filme, tão irreal tudo se tornou! Pior ainda. No cinema, qualquer coisa é possível. Mas a vida não tem efeitos especiais!

CANTIGAS DE ARREPIAR - WALCYR CARRASCO

CANTIGAS DE ARREPIAR (WALCYR CARRASCO)
DISPONÍVEL NO LIVRO:
"HISTÓRIAS PARA A SALA DE AULA"
(EDITORA MODERNA)

Ando assustado com as cantigas infantis! O nenê está no berço, brincando com o chocalho. Mamãe canta com voz melosa: "Boi, boi, boi, boi da cara preta / Pega esse menino / Que tem medo de careta!"

Eu não sei como o bebê não pula sobre as grades de susto! Mamãe está chamando um boi furioso para levá-lo? Comentei com um amigo, que revidou:

– A criança não entende as palavras.

Será? A certa altura começa a saber o que é mamãe, papai. Acabará descobrindo também a ameaça do boi malvado! Ou da Cuca, como em outra doce cantiga de ninar: "Dorme, nenê / Que a cuca vem pegar..."

A Cuca é tão terrível que virou vilã de um livro de Monteiro Lobato. Em O Saci, a menina Narizinho é seqüestrada pela dita-cuja e salva depois de mil peripécias de seu primo Pedrinho. Na série de televisão, tornou-se personagem constante, sempre em guerra com os heróis do Sítio do Picapau Amarelo. No livro e na televisão, a Cuca sempre é derrotada. No berço, nunca! A mãe canta, canta, e a criancinha aterrorizada espera a malvada! Deve dormir de susto, coitada!

E as de roda? Há uma simplesmente horrenda: "Atirei o pau no gato-to / Mas o gato-to / Não morreu-reu-reu / Dona Chica-ca-ca / Admirou-se-se / Do berrô, do berrô / Que o gato deu / Miaaaau!".

Ao terminarem, as crianças se agacham, rindo. Do quê?, me pergunto. Acaso é engraçado ser cruel com um gato? Cantar o berro? Como se devesse ter perdido as sete vidas com a pancada? Qualquer associação de defesa dos animais concordaria com minha surpresa! Mais que isso: qualquer pessoa bem-intencionada!

Na clássica Ciranda, Cirandinha, a certa altura vêm estes versos: "O anel que tu me deste / Era vidro e se quebrou / O amor que tu me tinhas / Era pouco e se acabou".

É uma ode à rejeição. Também à intransigência. Ao comparar o afeto com vidro, dá a impressão de que os laços não podem ser refeitos. Acabou, acabou! Mas não é importante ensinar que é preciso preservar os sentimentos, perdoar as faltas alheias?

Confesso: foi um leitor quem me abriu os olhos. Escreveu-me falando de sua experiência. Mora nos Estados Unidos e trabalha como baby-sitter. Começou a cantar Boi da Cara Preta para o menino da casa, e o pimpolho adorava! A mãe pediu para traduzir. Só então caiu em si. As cantigas americanas, segundo disse, são doces e repletas de ternura. Como explicar que estava chamando um boi bravo a uma americana capaz de processá-lo por tortura mental? Acabou sem contar o que dizia a canção. Surpreendeu-se:

– Será que desde o começo não estamos ensinando a linguagem do medo?

Não preciso ser experto em pedagogia. Qualquer professor que entrasse em uma classe do maternal e ameaçasse os alunos com bichos furiosos ou monstros perderia as aulas. Muitas crianças seriam remetidas ao psicólogo para se recuperar do choque. Mães, pais, babás acham lindo chamar a Cuca! Não é uma contradição?

Houve certa vez um movimento para mudar as letras. A reação foi de revolta por parte de quem acreditava que a tradição não podia ser mexida.

Temo estar sendo radical. Mas, ao refletir sobre as cantigas, sinto um travo de inquietude. Surgiram há muito tempo, em uma época em que a educação se fazia com ameaças e castigos. Hoje tudo mudou. Crianças merecem cantar sonhos e felicidade. Para que crescer com medo de monstros, achar divertido atirar o pau no gato? Deixar que os pequenos espíritos infantis se quebrem como vidro? Quem sabe a capacidade de amar ficará para sempre comprometida.

XIXI NA CALÇA - WALCYR CARRASCO



XIXI NA CALÇA (WALCYR CARRASCO)
LIVRO: "HISTÓRIAS PARA A SALA DE AULA" (EDITORA MODERNA)

Aos 9 anos, eu tinha uma professora muito brava. Não sem motivo. Boa parte dos alunos pedia para ir ao banheiro somente para fugir. Eu era dos mais quietinhos. Certo dia me deu uma vontade tremenda de fazer xixi. Ergui o braço. Era o terceiro querendo sair. Ouvi um sonoro "não". Foi um desespero. Tentava segurar a vontade. O final do período se aproximava. Torcia as pernas e me remexia. Os minutos pareciam mais lentos! De repente, aconteceu!

Senti um calorzinho nas pernas e uma bruta sensação de alívio. Relaxei. Minhas calças, minhas meias, molhadas! Ainda tive esperança. Minha carteira era ao lado da parede. Talvez ninguém notasse a enorme poça embaixo dos meus pés!

Que idéia! Dali a pouco um colega gritou:

– Ih, ele fez xixi na calça!

– Não fiz, não! – retruquei.

Os outros olharam. A professora se aproximou. Gritei:

– Foi o menino da frente!

– Eu, não! – defendeu-se ele. – Olha, as meias dele estão molhadas!

Ela abanou a cabeça, incrédula.

– Por que não pediu para sair?

– A senhora não deixou!

– Devia ter insistido!

Tocou o sinal. Peguei a mochila. Meias pingando, uma enorme roda úmida no bumbum!

A infância é cruel. Saí da classe com a molecada gritando atrás:

– Ele fez xixi na calça! Ele fez xixi na calça!

Na frente do prédio, quis esconder a mancha do traseiro com a mochila. Inútil.

– Xixi, olha o xixi! – mostravam os alunos.

Todos riam! Morava a poucas quadras dali. Corri, com a mochila batendo nas coxas. Ah, que vergonha!

No caminho, encontrei alguns amigos, não informados da tragédia.

– Ih, você está todo molhado! – comentou um deles.

– Escorreguei no chão quando a faxineira estava lavando! – menti.

– É nada, é xixi! – dedou outro.

Corri ainda mais depressa! Nunca, nunca mais queria voltar às aulas!

Mamãe tinha um pequeno bazar. Morávamos nos fundos. Entrei pela loja. Ela estava sozinha no balcão. Lamentei-me, angustiado.

– Fiz xixi na calça!

– É brincadeira? – espantou-se.

Mostrei. Preparei-me para a bronca. Minha sensação era de culpa, pavor! Mas mamãe ficou calma.

– Entra depressa. Toma um banho! Ponha roupa limpa!

Deu uma fugidinha da loja. Botou a calça de molho. Serviu o almoço. De tanta angústia, eu quase chorava:

– Nunca, nunca mais vou para a escola! Vou parar de estudar!

Ela brincou com meus cabelos.

– Isso não foi nada. Se mexerem com você, não ligue. Só se esforce para nunca mais acontecer.

– Então vou morar com a vovó, em outra cidade!

– De jeito nenhum! Não suportaria ficar longe de meu filho!

Aos poucos, me acalmou. Transformou o drama em brincadeira. De noite, quando papai chegou, voltou ao assunto. Até consegui dar risada.

Estava certa. Ninguém continuou me infernizando. Não fui o primeiro, nem o último, a fazer xixi em plena aula!

Agora, depois de tanto tempo, lembro das vezes em que desabafava com ela. Também era ótimo dividir os grandes momentos. Um novo emprego, por exemplo. No telefone, sua voz animada.

– Que bom! Você vai ganhar melhor!

Às vezes, quando acontece uma coisa importante, meu primeiro impulso é lhe telefonar. Em seguida, meu coração se aperta. Lembro que não está mais do outro lado. Como posso esquecer, até por um instante? Descobri o motivo. Podia contar com mamãe, como os filhos nunca deixam de contar. Ela ficaria do meu lado, como no dia em que fiz xixi na calça! Não é a memória que me trai, mas a saudade. Seu amor deixou uma lacuna que nunca vou preencher. Seja algo bom ou ruim, sempre terei vontade de compartilhar com ela.

Reforma ortográfica em quadrinhos - continuação (última parte)

Reforma ortográfica em quadrinhos - continuação





Reforma ortográfica em quadrinhos