terça-feira, 26 de abril de 2011

DESCASCAR O ABACAXI (WALCYR CARRASCO)

O início de um ano é repleto de boas intenções. Faço planos. Pretendo, por exemplo, me dedicar ao rapel. Não, nunca pratiquei. Acho o máximo ficar dependurado numa montanha. Até agora, só encontrei uma escola, que ensina a técnica em viadutos. Tive medo de acabar em cima do capô de um carro, no primeiro escorregão. Um amigo me indicou uma escola em Brotas. Talvez. Em 2008 (sim, já ando fazendo planos a longo prazo), espero ter coragem para me sacudir como um ioiô gigante de cima de uma ponte. Quem experimentou garante que é o máximo!

Olho também para o ano que passou. Um lance me impressionou. Tomei consciência de quanta raiva a gente carrega. Aconteceu no trânsito, é claro! Um amigo dirigia. Um homem fechou seu carro. Meu amigo xingou. Fez questão de ultrapassar, aos gritos.

– Eu podia ter batido!

– Não bateu, é o que importa – ponderei. – Para que gritar?

– Ele merece. Não devia estar na rua dirigindo.

– Não sabemos o que está acontecendo – insisti. – Pode ser tímido. Ou estar com um problema. Para que brigar?

Meu amigo resmungou. Foi como um clarão. "Quantas vezes não fico com raiva à toa?", pensei. Mil pequenos fatos me enlouquecem no dia-a-dia. Semanas atrás, estava em um restaurante que tinha convênio para estacionar com manobrista. Entreguei meu tíquete para pegar o selinho. O garçom o perdeu. Levantei-me. Briguei. Chamei o gerente.

– Eu acompanho o senhor até lá e explico o que houve – propôs ele.

Não aceitei, insistindo:

– É um absurdo!

Fui pegar o carro, furioso. O rapaz que me atendeu só pediu um documento do veículo. Confirmou que era meu. Em dois minutos o assunto estava resolvido. Mas eu... ah, eu não! Sentia um tremendo mal-estar. Fui para casa com raiva. Não havia sabonete na pia. Chamei a empregada:

– Não pode ficar sem!

– Eu só estava lavando o banheiro, depois ia pôr.

Resmunguei e subi. Corri a olhar as camisas. Uma estava mal passada.

– Tome mais cuidado com minhas camisas.

Queria descontar, de qualquer jeito.

A cidade é estressante. O trânsito, a agitação. Vejo a mim, e a boa parte das pessoas, sempre por um fio. Comecei a meditar sobre o tema.

– Por que as pessoas têm tanta raiva, estão sempre prontas a explodir?

Não conheço nenhum sistema para me livrar da vontade de sacudir alguém. Nem vou parar de sentir raiva – muitas vezes é até uma reação saudável. Quero impedir que ela me faça mal, a meus amigos, a quem me cerca. Dia desses um jovem advogado me enviou uma conta que achei salgada. Tentei brincar com a delicadeza de um elefante:

– Vou mandar uma carta para o Palácio do Planalto, porque você está estourando as metas de inflação – eu disse ao telefone.

– Achou caro? – veio uma voz tímida do outro lado.

– É caso de chamar o Procon.

Silêncio. Em seguida, sério:

– Faz o seguinte. Você me paga quanto quiser.

Parei, surpreso. Só estava querendo um desconto. Ia perder uma amizade.

– Jamais faria isso. Não fique magoado – expliquei. – Se fui grosseiro, desculpe.

Quase ouvi o suspiro de alívio do outro lado.

– A gente vê no próximo trabalho – ele riu. – Mas agora você tem de pagar um jantar no japonês.

– Pago um par de sushis, bem baratinhos! – devolvi.

Rimos um pouco. Impedimos que a raiva tomasse a frente.

É o caso. Talvez seja o esporte, ou meditação, ou tirar humor de situações difíceis. A vida é melhor quando se controla a raiva. Mas e se a situação for espinhosa? Sem a casca, o abacaxi não é doce? Pois é. Neste ano, meu grande plano é aprender a descascar o abacaxi.

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