terça-feira, 26 de abril de 2011

GENTILEZA AO AVESSO (WALCYR CARRASCO)




Não me conformo com certos comentários corteses. Havia um bom tempo, eu estava jogando vôlei. Saltei para rebater a bola. Aterrissei na quadra de cimento. Ralei a perna. Fui para o banco. A coxa em chamas. Que felicidade! Veio um colega. Deu o maior apoio:

– Não foi nada.

Como? Nem podia sofrer em paz? Já vi a situação se repetir mil vezes. A criança cai de boca no chão do shopping. A mãe garante que "não foi nada!". A modelo desaba na passarela. Tornozelo torcido. O contrato, confete. Sempre há um simpático para garantir que não é nada, nada!

Pior é velório. A pessoa com o coração partido. Chega alguém, animador:

– Não chore!

Ué, não pode chorar? Deveria estar jogando uma partida de pingue-pongue? Toda vez que perdi alguma pessoa querida e ouvi esse conselho, tive vontade de sair no tapa.

Se na casa alheia servem um prato pavoroso? Já me aconteceu. Era uma torta de frango com gosto de sapato velho. Cada pedacinho deslizava pela minha garganta feito um pedregulho! Engoli tudo, para não fazer desfeita. A anfitriã colocou outra fatia no meu prato.

– Coma mais um pedacinho!



Ah, frase trágica! Que fazer com a torta? Queria enfiar no bolso, disfarçadamente! Mas, se alguém visse, ainda ia dizer que estava levando comida para casa!

Também fico fora de mim ao ouvir:

– Até que você não está tão mal assim!

Esse mimo costuma ser dito justamente quando a gente tenta cavar um elogio. Chego a um coquetel de mangas arregaçadas, jeans e tênis. Todos os outros convidados estão de terno. Para me sentir à vontade, comento com a garota que me recebe:

– Ih! Acho que errei o traje.

Vem a frase fatídica. Algum ser na face na Terra se acalma a ouvir tal consolo? Não estou tão mal assim? Fico com a sensação de estar péssimo! Existem várias adaptações, uma mais torturante que a outra.

– Você não dirige tão mal assim!

– Você não engordou tanto assim!

A pior de todas:

– Você não está tão velho assim! – quando dito por uma jovem, bem novinha, é doloroso!

Corro ao espelho. Os pés-de-galinha aumentaram?

O cheque volta. O mês está se espichando até o próximo salário! Procuro uma amiga. Não, não vou pedir dinheiro emprestado. Só ambiciono um ombro para me lamentar. Ela diz:

– Não se preocupe!

Belo consolo! Só se for doido! O conselho vem seguido de uma divagação filosófica:

– Não tem do que reclamar! Tem gente muito pior que você!

Sim, é verdade! Há uma multidão em situação ainda mais dramática. Mas e meu rombo no banco? Devo esquecer? Sair cantando pelas ruas?

A adolescente sai para a balada e avisa à mãe:

– Fique sossegada.

Ah, é? A pobre senhora vai ficar calmíssima, enquanto rola a madrugada? Ao amanhecer, a criatura chega trançando as pernas e comenta:

– Viu só? Tudo bem!

É a típica situação em que nada está bem. Não fica bem nem dizer uma coisa dessas! Mas ai da mãe que se rebelar diante da afirmação!

Até assaltantes praticam esse tipo de etiqueta. Um amigo foi pego em um seqüestro-relâmpago. No carro. O sujeito apontou o revólver. Garantiu:

– Nós tamo aqui numa boa. Fica tranqüilo.

Que beleza! Se estavam "numa boa", por que enfiar o cano no nariz!? Haja tranqüilidade!

Ao se separar, uma amiga entrou em guerra com o marido. Os dois quase se esganaram por causa da partilha dos bens. Até a posse do filho entrou na dança! Uma tia idosa quis dar uma força:

– Tudo vai dar certo, é questão de tempo!

Era a prova de que pior não podia ficar! Gentileza por gentileza, quando não há o que dizer, é melhor fugir de uma frase feita.

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